ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE BEJA |
Após ter feito os exames das provas específicas, a Marta conseguiu uma nota bastante boa, o que lhe deu a possibilidade de ingressar na Escola Superior Agrária de Santarém, o que não estava nos planos, pois já tinha combinado com o Paulo ir estudar para Beja, e ele arranjava lá um emprego. Então, ficou muito aborrecida por ter ficado em Santarém; nós tentámos convencê-la ficar em Santarém, visto que era uma Escola com maior prestígio e que ficava muito mais perto de Massamá.
Ainda foi com a Aires a Santarém matricular-se e arranjar quarto. Mas no mesmo dia em que se matriculou, preencheu um documento de permuta, para ir para a Escola Agrária de Beja. Apesar de estar contente por ter entrado na Escola Superior, andava muito decepcionada, pois tinha tudo "programado" para ir para Beja, onde já se encontrava o Paulo e a colocação em Santarém vinha obrigá-la a mudar os planos.
Durante estes dias, tentámos convencê-la, mas deixámos que fosse ela a decidir.
Passado alguns dias, veio a autorização do Ministério da Educação para que se fosse matricular em Beja. A Marta ficou felicíssima. Logo no dia seguinte, foi no primeiro autocarro para Beja, afim de fazer a matrícula e procurar alojamento.
Era o sonho da Marta que começava a concretizar-se.
No fim-de-semana seguinte, fomos procurar quarto. Procurei a casa da mãe da Lúcia, onde estavam hospedadas jovens estudantes, mas a Marta não lhe agradou ficar ali, pois teria que partilhar o quarto com outra colega e ela queria um quarto só para ela. Vimos mais uma casa ou duas, mas as senhorias queriam alugar um quarto para duas raparigas, o que desagradava profundamente à Marta. A Marta ficou no quarto de uma amiga durante uma noite e no dia seguinte, já sozinha com a Aires calcorrearam Beja de ponta a ponta, para encontrarem um quarto individual. Finalmente alugaram um "quarto" para cada uma, na Rua Tenente Sanches de Miranda, nº11,em Beja.
O senhorio adaptara umas arrecadações no fundo do quintal a "quartos". O "quarto" era muito pequeno, muito frio e húmido. O tecto era de telha vã, onde colocaram uma placa de contraplacado para tapar as telhas, mas o vento, a chuva e o frio entravam através do forro. A cama estava encostada à parede húmida e uma alcatifa no chão procurava tapar o cimento que havia por baixo, tinha uma janela velha e uma porta com frestas da largura de dois dedos, por onde entravam o vento e a chuva. A casa de banho, a cozinha, uma pequena sala de convívio e outros quartos para duas raparigas ficavam na casa principal, no outro extremo do pátio. A Marta estava muito contente por ter encontrado finalmente um quarto só para ela!
No fim-de-semana, fomos levar-lhe tudo o que ela precisava para ali viver. Roupas da cama, toalhas, cobertores, televisão, louças, livros e alguns objectos pessoais. Arrumámos-lhe o "quarto" o melhor que pudemos, procurámos torná-lo confortável, mas na verdade, eu saí dali muito angustiada, pois o quarto não tinha quaisquer condições de habitabilidade. Eu conhecia o clima frio e agreste do Baixo Alentejo e a cidade de Beja é conhecida pelos Invernos muito rigorosos. Eu estava preocupada. Sabia que a Marta se tinha precipitado com o aluguer daquele "quarto" e conhecia a Marta para saber que ela se iria sujeitar àquelas condições, pois não queria partilhar o quarto com mais ninguém.
Cheguei a Massamá, comecei a fazer um cortinado feito com um cobertor para pôr na porta e um outro cortinado para a janela, talvez os cortinados atenuassem um pouco o frio intenso das noites gélidas!... O Inverno de 1992 foi um dos mais rigorosos dos últimos anos, chuvas torrenciais inundaram o "quarto", mais do que uma vez e este continuava frio, desconfortável e a cheirar a mofo. Quando me deitava no meu quarto quente e confortável da nossa casa de Massamá, pensava nas condições em que a Marta se encontrava e isso preocupava-me e angustiava-me imenso.
No quintal da casa, havia quatro ou cinco quartos, todos iguais ao da Marta, dentro da casa, havia mais três ou quatro quartos, logo estavam ali alojadas doze ou treze raparigas. A casa de banho e a cozinha ficavam na casa principal, e era só uma casa de banho e uma cozinha para todas as raparigas.
No dia em que lá fomos, havia imensa louça suja no lava-louças, pois todas iam pondo louça empilhada, até que a Marta, que detestava ver desarrumação e tanta louça por lavar, arregaçava as mangas e lavava toda a louçaria!... eu chamei-a a atenção para que não o fizesse, pois estava a ser explorada pelas outras raparigas, mas sei que muitas vezes o deve ter feito! Tudo isto, fez com que eu não me entusiasmasse nada e a minha expressão de desagrado foi notada pela Marta. Ela sabia que eu tinha razão em estar preocupada, pois a casa não tinha condições para tanta gente morar ali, pois faltava o ambiente calmo e confortável necessário ao estudo.
Eu temia que as condições do quarto lhe trouxessem problemas de saúde e ao mesmo tempo receava que os estudos fossem prejudicados com toda esta agitação.
Penso que a Marta também se apercebeu das poucas condições da casa, mas ao mesmo tempo não queria deixar aquela casa onde estava à sua vontade e onde não havia ninguém a controlá-las e a aborrecê-las com exigências.
A Marta depressa fez amizade com as restantes raparigas da casa. Sentia-se bem com o convívio alegre e descontraído que ali viviam e para me "animar" dizia-me que o quarto estava mais confortável, depois da colocação dos cortinados e que adorava estar ali. Eu não a queria estar constantemente a “massacrar” com a mesma conversa, pois eu sentia que ela tinha que ser responsável pelos seus actos e pela sua vida. A primeira carta que recebemos da Marta, não me tranquilizou.
"Queridos Pais
Espero que esteja tudo bem por aí.
Por cá está tudo bem.
Ando é um pouco cansada porque a escola é muito longe, mas é uma questão de hábito.
Na Segunda-feira aconteceu-me uma coisa engraçada, enganei-me na sala e fui para outra turma. No horário estava laboratório 1 ou sala 2 , eu vi gente na sala 2 e como não sabia a minha turma, entrei, assinei a folha de presenças e assisti durante 2h , de repente eu percebi que não era a disciplina certa, mas como eu ainda não sei bem o que cada disciplina consta, não me apercebi. A minha sorte é que não tive aula, senão tinha falta. Disse à professora e saí, todos se riram e eu e a Aires saímos muito envergonhadas.
A Aires está neste momento a dormir, porque anda muito cansada.
São precisamente 6h45m.
Tenho gasto muito dinheiro esta semana.
Eu estou a gostar das aulas, mas são muito diferentes do liceu, muita gente, os professores falam muito depressa, não consigo tirar apontamentos nenhuns.
Ah! Onde eu estou a gastar o dinheiro é nas sebentas que os professores mandam comprar.
Estive agora mesmo a escrever à Ritinha a contar todas as novidades.
Esta semana o tempo está melhor, não está tanto frio, tenho andado com a camisola verde que vocês me compraram que é muito quentinha.
Tenho comido muito bem, e muitos chocolates e rebuçados quando estou a passar as aulas. Eu estou a achar o curso muito difícil! Mas o tempo irá dizer como irá terminar.
Já conheci pessoas da Escola muito simpáticas, conheci uma rapariga de Setúbal (Quinta do Anjo) chama-se Bia é muito simpática, e já disse se eu precisasse de alguma coisa da escola do 1º ano ela me ajudava, ela está no 2º ano (com disciplinas do 1º é claro, como todos!).
Bem agora vou terminar, pois vou acordar a Aires para irmos fazer o jantar, para nos deitarmos cedo, porque amanhã temos aulas às 8 h.
Há alturas em que me apetece estar aí em casa com vocês, mas logo me lembro que eu estou a tirar o meu curso para um dia ser Engª. Marta Varela Baleiro.
Mas tenho saudades da cara séria do pai e dos repentes da mãe.
Quando receberem a carta, eu devo ter falado com vocês ao telefone.
Um beijinho, (Um não, muitos beijinhos)
Desta vossa filha que vos ama muito
20 de Outubro de 1992
Marta Varela Baleiro
Estas palavras só podiam ser mesmo da Marta:) Tão determinada, teimosa e meiga que ela era. Se tiveres mais cartas dela, publica-as por favor. Eu não sei o que fiz às cartas que ela me escreveu. Com a mania que tenho de deitar papéis fora, acho que desapareceram. Este meu defeito tem destas consequências.
ResponderEliminarEm relação ao quarto, nunca te arrependas, Mãe, de o teres alugado para a Marta: ela estava feliz ali, mesmo sabendo que as condições não eram as melhores. Eu tenho a certeza. Além do mais, a Marta era «muito senhora do seu nariz» e aquele quarto era o resultado de uma decisão que ela tinha tomado e NUNCA se iria arrepender de a ter feito. Ela foi feliz ali. Nunca te repreendas por isso.
Peço desculpa por interferir nunca conversa entre mãe e filha mas eu sou testemunha que a Marta foi muito feliz naquele seu quarto. Acreditem que teve muitos e bons momentos naquele quarto. Era feliz, estava na universidade, tinha a pessoa que amava perto dela, tinha tudo para ser feliz e mais não digo porque a minha amiga está a ver-me e eu não posso revelar os segredos dela, são segredos.
ResponderEliminar