MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A GAIVOTA

                   A PRAIA
               
As ondas ritmadas desfazem-se na areia solitária.
O céu, cor de chumbo, reflecte-se na água. 
A água  escura e triste.
Estou só. Estou acompanhada pelo pensamento em ti.
Penso em ti...
Olho o mar, as gaivotas, o céu nublado e cinzento.
Uma gaivota branca não tem forças para voar. 
Procuro ajudá-la. 
Não consegue reagir, vai morrer ali mesmo. 
O bando ignora-a. 
Voam de um lado para o outro, poisam junto às águas sujas do esgoto.
Pobre jovem gaivota. 
Também ela não vai saber o que é envelhecer. 
Tal como tu, que partiste na flor da idade, 
que partiste quando começavas a descobrir o bom que é viver.
Olho-a, respira com dificuldade.
Não tem forças para levantar a cabeça. 
Não pode mexer-se. 
As patas inertes, sem forças para susterem o corpo jovem
de lindas  e sedosas penas brancas e azuisl.
Olho-a e lembro o teu sofrimento. 
Lembro os momentos dramáticos que passámos. 
Eu nunca pensei que tu partisses assim, daquela maneira.
Tu, forte e saudável, a mais saudável de nós todos, nunca poderias partir assim! 
longe de mim tal ideia. Sempre pensei que recuperasses.
Hoje, revolto-me por ter acreditado nos médicos e de não ter ido para o pé de ti, assistir aos teus últimos momentos, assistir contigo ao teu último suspiro.
Os médicos foram egoístas, não me disseram que tu estavas a morrer, ou por outra, talvez eles mo dessem a perceber, só que eu nunca pensei nisso.
Pensei que era uma coisa passageira, um mal estar, uma indisposição e que tudo seria resolvido. Afinal, nunca mais te vi com vida, minha querida, minha pequenina. 
Quando beijo a tua fotografia sinto o frio do teu corpo morto, a sensação é a mesma, por isso, tenho alguma dificuldade em beijar o teu retrato.
Olho-os, vejo-os, mas raramente os beijo, porque o frio do vidro me transporta para momentos dolorosos, que apesar de não querer esquecê-los, também me é difícil recordá-los.
A gaivota jaz inerte na rocha.
Eu fico ali sentada, indiferente ao frio, ao céu carregado de nuvens negras...
 Carcavelos 7 de Dezembro de 1995
Da mãe Zuzu


Rita deixou um novo comentário na sua mensagem "A GAIVOTA": 

Nem sei como foi possível ultrapassar essa tempestade que caiu sobre nós. Já não me lembro, como fui conseguindo fazê-lo. Mas fui caminhando através dela até hoje, até este exacto segundo. Todos os dias procuro encontrar modos de a ultrapassar. O efeito foi que fiquei diferente para sempre. Obrigada, mãe, pela partilha e por esta companhia. 

QUATRO MESES PASSARAM...

FÉRIAS EM AMARELEJA, VERÃO DE 1991
Massamá,4 de Junho de 1995
Minha Querida Marta
Faz hoje quatro meses que tu partiste.
Levei muito tempo a acordar e a levantar-me, porque não queria enfrentar a realidade do dia, depois por volta das 14 horas, resolvi levantar-me.
Não me apetecia fazer NADA. Sentia uma angústia e uma tristeza, dentro de mim, que se mantiveram e ainda se mantêm neste momento, meia-noite!.
O pai tenta dormir a meu lado e eu escrevo-te para te relatar o meu dia; Triste dia!... Não saí à rua. Estava um dia maravilhoso de Verão, o Sol brilhava intensamente, o céu estava azul e límpido, sem uma nuvem no céu. Não me apetecia sair, não me apetecia estar em casa, não me apetecia nada...
Depois do almoço, eu não almocei porque não tinha vontade, comi apenas uma meloa, resolvemos, o pai e eu, ir arrumar os teus livros e cadernos na arrecadação. Já há alguns dias, que eu trouxe um caixote enorme de cartão da rua e enchemo-lo com as tuas coisas, ficou tudo arrumado. (...).
Pude ver como os teus apontamentos estão organizados, muito limpos, tudo em ordem, como tu eras cuidadosa com os teus estudos!...
Quantas e quantas horas não perdeste ( ou ganhaste?) a passar tudo a limpo!...
Tanto que tu gostavas do teu curso! Como tu estavas feliz quando foste para Beja!... Que força malévola te empurrava para aí encontrares a morte?
Tu, trabalhadora e cuidadosa, andavas preocupada por não conseguires obter os resultados que merecias! Tanto que tu estudavas! Como eras empenhada e responsável!... Não posso pensar que tanto trabalho e esforço não te beneficiaram em nada, em duas horas tudo acabou para ti .... como não devo andar revoltada com a vida? Para que vale a pena viver e lutarmos?
Não, não somos nada, não valemos nada; tudo é efémero, a Morte é mais forte do que nós, do que tudo! ...
Cada dia que passa me sinto mais revoltada. A saudade IMENSA, que tenho dentro de mim, não me deixa ver a vida com um mínimo de optimismo. Tenho tantas saudades tuas!...
Onde irei arranjar forças para superar e enfrentar esta saudade, esta tristeza, esta angústia, que dia-a-dia cresce como  nuvens escuras empurradas pelo vento e que tornam todo o firmamento negro e ameaçador. Cada vez mais, se adensa a tempestade dentro de mim. A tristeza no meu coração negro, negro de dor e saudade, aumenta dia a dia.(...)
Vou ler um pouco para tentar acalmar esta angústia e esta tristeza.
Até amanhã.
Mil beijos da mãe que te adora     Zuzu

SEM TI...

Massamá,3 de Junho de 1995     (2 horas da manhã de Domingo!)

Minha querida Marta 

Passei quase todo o dia de Sábado a arquivar os teus desenhos e os desenhos feitos pela Rita.
Desenhos infantis cheios de amor e alegria, que vocês gostavam de oferecer ao pai, à mãe e aos avós. Procurei arrumá-los o melhor que pude, para poder vê-los quando me apetecer.
Férias Agosto em Amareleja 1990
Aproveitei o dossier muito bonito que tu me ofereceste no dia dos meus anos para guardar os teus desenhos e as tuas cartinhas.
O pensamento voa-me para ti e não consigo escrever-te. Procuro concentrar-me, mas hoje é difícil. Cada dia que passa, tenho mais saudades tuas.
Quando estava no cabeleireiro, apareceu o Pedro, filho da D. Olívia, que é da tua idade (22 anos), morou sempre no nosso prédio da Rua das Camélias,  sempre cresceu junto de vocês, bem como outros  amigos do prédio.
Falou da tua simpatia e da maneira como ele se lembra de ti e da Rita, das brincadeiras na rua e de como todos eram amigos. Não consegui controlar-me e chorei; não queria chorar, mas a minha tristeza é maior do que a minha vontade. Como eu estou a sofrer!...(...)
O pai teve uma das suas enxaquecas, teve que tomar 2 comprimidos e estava muito abatido. Cada dia que passa, mais difícil é para ambos enfrentarmos a realidade.(...)
Muitos beijos da mãe amiga
Zuzu

AS TUAS COISAS...

Massamá, 2 de Junho de 1995           (1h 20m)
Minha Querida Marta
Como foste sempre tão meiga e amiga de partilhar o imenso amor que tinhas dentro de ti!...
Tenho estado a ver os desenhos e as cartinhas que nos escrevias a mim e ao pai, quando eras pequenina. Desenhos cheios de ternura e que lembram a menina meiga e boa que tu eras e sempre foste.
Como não me apercebi quando nasceste, de que serias uma menina especial e que estarias tão pouco tempo  (apenas 21 anos! ) comigo? Porque não descobri que deveria ter-te acarinhado, amado e dado mais atenção em todos os momentos da tua vida? já que esta foi tão curta?
Lembro-me das longas conversas que tínhamos quando começaste a tua adolescência. Todas as noites, tu tinhas dúvidas, estavas triste, sentias-te perdida, desencontrada, dividida ... então eu procurava pôr as ideias mais organizadas na tua cabeça. Eu conversava muito contigo e tu ouvias, porque sempre soubeste ouvir!... Quantas e quantas noites, não me fui deitar já bastante tarde e muito cansada, porque os teus " problemas" de adolescente não tinham fim.
Hoje, que sei que nunca mais poderei falar contigo, revolto-me e fico irritada comigo por não te ter dado ainda uma maior atenção e mais carinho.  Tu sempre foste tão boa e meiga!... adoravas o pai, a mãe e a Rita ... éramos para ti, os seres mais importantes que te rodeavam ... Eu não podia adivinhar que seria tão passageira a tua vida aqui na Terra.
Amanhã, vou arrumar os teus cadernos, e outros materiais que trouxemos de Beja. Vamos guardar tudo na arrecadação, para que não se estraguem.
Os teus livros estão na tua estante do escritório, e ainda não tive coragem de lhes mexer. Como tu estimavas as tuas coisas! Como tratavas todas as tuas coisas pessoais com carinho e amor!... Os objectos mais insignificantes tinham para ti o mesmo valor de uma coisa importante... Amanhã vamos arrumar tudo, de modo a podermos vê-los quando nos apetecer…para vermos como tu, Marta eras tão organizada, tão trabalhadora e muito cumpridora das tuas obrigações.
Apetece-me chorar alto. O pai dorme a meu lado e eu queria chorar, chorar para aliviar esta dor imensa que me oprime. Como é possível ter-nos acontecido isto a nós? A ti, minha querida filha, tão boa, tão meiga, tão amorosa. Como eu tenho saudades tuas!... Como eu estou revoltada com esta vida horrível que me estava destinada!...
Até amanhã.
Muitos beijos da mãe  Zuzu

MORTE DA NÔNO

Massamá,9 de Maio de 1995
Querida Marta
Hoje foi um dia triste. Fui com a Patrícia  ao funeral da Leonor.
Quatro meninas boas como tu, partiram para sempre. Como é possível que tal aconteça?!... Como Deus é tão cruel com meninas inocentes, verdadeiras, sinceras, meigas e amadas por todos aqueles que as rodearam?!
Tudo aconteceu na madrugada de Sábado para Domingo, pelas 3 horas da manhã, cinco meninas, amigas desde crianças, foram passar a noite juntas numa discoteca. Quando vinham para casa, o carro despistou-se e incendiou-se imediatamente, uma jovem foi cuspida do carro, as outras ficaram presas num inferno de chamas, não conseguiram sair e morreram carbonizadas.
A Leonor, tinha 18 anos, era boa e meiga, tinha muitos amigos, como tu, e era bonita. (...)
A mãe, a Beatriz estava inconsolável; tinha aquela expressão de incredulidade com que ficam aqueles que não acreditam no que lhes está a acontecer. É um pesadelo tão grande, tão brutal, tão terrível que pensamos, a todo o momento ir acordar dele e pensar de que tudo não passou de um pesadelo!... Mas, na verdade, tudo é real, tudo é verdadeiro, tudo se está a passar e a desenrolar-se perante nós.
Como compreendi tão bem o seu sofrimento! Como compreendi a angústia de não ter lágrimas para chorar; como é que estamos tão tristes, tão desgostosos e não temos lágrimas? porque acontece isso?!(…)
Cheguei a casa com uma dor de cabeça horrível. Tomei uma aspirina, mas o comprimido pouco ou nada me fez.(...)
Até amanhã
Muitos beijos da mãe  Zuzu

MENSAGENS

Ana escreveu: "Conheci a Marta em bébé e gostava muito dela. Tenho uma foto com ela ao colo quando era pequenina. Beijinho Zuzu."