MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

domingo, 30 de janeiro de 2011

PRIMEIROS DIAS EM BEJA

MARTA - PRIMEIROS DIAS EM BEJA
Passado alguns dias, veio a autorização do Ministério da Educação para que se fosse matricular em Beja. 
A Marta ficou felicíssima. Logo no dia seguinte, foi no primeiro autocarro para Beja, afim de fazer a matrícula e procurar alojamento.
Era o sonho da Marta que começava a concretizar-se. Escreve no seu diário:
Hoje é dia 21.10.92
Estou muito longe de onde te costumo escrever, estou em Beja.
Pois é, consegui o que queria, entrar em Beja.
Estou numa casa só para estudantes, somos muitas raparigas, a Aires também cá está.
PRAXES - MARTA AO CENTRO
Ainda não fui às aulas porque tenho fugido da praxe, mas amanhã é o dia do caloiro, há um desfile e à noite há festa na discoteca.
Eu gosto do quarto, embora seja um pouco caro e muito frio, estou a pagar (20.000$00)
O Paulo   também cá está a tirar a carta.
Eu estou a gostar de Beja, é uma cidade simpática.
A escola é um pouco longe, mas com companhia, faz-se.
Bem agora vou fazer o meu jantar. Amanhã ou depois, conto-te como foi ser caloira.
Tchau!
Sinto-me um pouco sózinha, mas não é assim tão mau,
 dias melhores, dias piores ...
Escola Superior Agrária de Beja
Curso TIAA
Tuma 10            1º ano   nº57/92

ANIVERSÁRIO -20 ANOS

No dia 21 de Janeiro de 1994, quando a Marta fez 20 anos, resolvi organizar uma grande festa de aniversário, para festejarmos os seus anos com toda a família. Convidei a Paula, mãe do Paulo e o marido, o Zé Maria, para que estivessem connosco e assim nos ficássemos a conhecer. Foi uma festa muito bonita. Todos estávamos muito bem dispostos e a Marta adorou aquele dia. Convivemos, brincámos e petiscámos como sempre acontece nas festas familiares. A Marta teve muitas prendas e recebeu muitos telefonemas de parabéns; estava muito feliz!...
O ano de 1994 foi pródigo em acontecimentos importantes para a felicidade da Marta.
Escreveu na Agenda:
                   "21 Jan. 94
 Fiz 20 anos, fui logo de manhã para casa da mãe do Paulo para estudar um   pouco porque o Paulo tinha de ir trabalhar. Depois a Paula chegou fomos comprar o almoço para fazer um almoço especial. O Zé Maria veio almoçar connosco, mas o Paulo não pode aparecer.
A Paula ofereceu-me uma caneta, uma camisola de lã e um soutien, tudo muito bonito, ela foi incrível comigo - não só pelas prendas mas pela companhia e atenção que teve comigo.
Depois fomos à casa dos avós do Paulo que foram muito simpáticos e ofereceram-me uma camisola de lã também muito bonita.
Ás 7.30m eu e o Paulo fomos ter com os meus pais e a Rita, fomos jantar à Churrasqueira, foi muito agradável.
Fui para casa, recebi as prendas dos meus pais e dormi, para no dia seguinte acordar cedo para preparar a festa.
A minha mãe preparou uma festa muito agradável.
A minha mãe teve imenso trabalho, fez imensa coisa, eu pedi-lhe para me fazer um bolo de anos em forma de coelho para recordar os velhos tempos.
Deram-me muitas prendas e gostei de todas, mas a minha avó Amélia deu-me uma prenda que eu nunca vou esquecer, ofereceu-me o fio de ouro dela, eu adorei não pelo fio, mas pela intenção,  ainda mais sendo o dela!"
Marta

1º DIA DO ANO DE 1994

O ano de 1994 começara bem. Tudo corria dentro da normalidade.
                   No dia 2 de Janeiro de 94, a Marta escreve na sua agenda:
"2ºdia do ano de 94 com muito frio
Passei a Passagem do Ano em Tróia com o Paulo, a Patrícia e o Fernando, o namorado.
Passámos a passagem do ano muito bem, principalmente porque eu passei com a pessoa que amo e que quero sempre ao pé de mim.
No dia 1 de Janeiro 94, fomos almoçar ao Avelino, no Carvalhal;
comemos muito bem, comi choco frito que nunca tinha comido, e comi ameixão?  com caril que também estava óptimo.
No dia 1 à noite jogámos ao Pictionary Picante depois de um jantar feito por mim, pois eu trouxe umas coisas para " nos alimentarmos".
No dia 2 ou seja hoje, estou neste momento na praia com o Paulo, pois estamos à pesca, ainda não pescámos nada e está muito frio, eu estou gelada. Sendo o segundo dia do ano de 94, espero passar um ano mais quente que este dia."
Marta

BEJA , COM O PAULO

Nunca faltava às aulas. Mesmo debaixo de chuva ou de frio intenso, levantava-se muito cedo, para estar nas aulas às 8 horas da manhã. Sentia-se bem e andava muito bem disposta.
O Paulo estava também em Beja, viam-se todos os dias e estavam  felizes.
Dia 31 de Dezembro 1992
"Fim do Ano
Ano Novo Vida Nova, Ano Velho Vida Velha.
Tenho de tomar certas medidas na minha vida, pois já tenho idade para ser mais responsável e saber aquilo que quero e saber dos sacrifícios dos meus pais.
Espero encontrar uma casa nova para mim e para a Aires em Beja, em que não seja tanta confusão. Pois neste momento somos 11 raparigas numa casa sem muitas condições e torna-se muito desgastante para mim.
Espero que os meus pais sejam o mais feliz possível, assim como desejo que a minha irmã tenha tudo aquilo que deseja.
Espero que o meu namoro com o Paulo  continue e sejamos muito felizes.
Espero ser feliz no ano de 1993
Marta

Com todas estas mudanças na sua vida, os estudos também se ressentiram. O ambiente na casa não era o mais propício ao estudo e logo nas primeiras frequências os resultados não foram muito animadores. Não havia nenhum adulto na casa que vigiasse minimamente quem  visitava as raparigas e a meio do ano, começaram a receber muitos amigos, de tal forma que os serões eram passados a conversar e o estudo ficava para trás. A Marta era muito trabalhadora e procurava fazer todos os trabalhos que lhe eram pedidos, mas com o ambiente da casa que não era o ideal para o estudo e muitas vezes  sentia-se desmotivada, pois os professores eram muito exigentes e as  disciplinas muito trabalhosas. No primeiro ano chumbou a várias cadeiras, mas de qualquer modo transitou para o 2ºano.
A Marta a meio do ano lectivo 1992/1993, talvez em Março de 93, resolveu ir viver com o Paulo, alugaram a casa da Maria Albertina, na Rua Ferreira de Castro, nº26, 2º D. Foi uma decisão muito complicada, pois ambos assumiram a responsabilidade de uma união com todos os inconvenientes e responsabilidades que isso iria trazer. A Marta era muito adulta, muito responsável e aceitou esta nova situação de braços abertos e com grande optimismo. Nós achávamos que ela era muito nova para ter a responsabilidade de uma união e a responsabilidade de governar uma casa. Sabíamos que a mensalidade que lhe mandávamos não poderia ser muito aumentada e tínhamos receio que "as coisas" entre eles, não corressem bem. O Paulo teve alguns empregos e esforçou-se para que nada lhes faltasse, mas eu sei que algumas vezes a Marta se viu um pouco aflita para que o dinheiro chegasse até ao fim do mês. Para eles, o que importava era estarem juntos e viverem o seu grande amor, isso foi amplamente conseguido durante uns tempos, e eles foram muito felizes. A Marta foi feliz durante esses meses de vida em comum.

PRIMEIROS TEMPOS EM BEJA

Nos fins-de-semana, tínhamos a visita da Marta. Vinha de autocarro e como ela sempre enjoou nas viagens, chegava, muitas vezes,  agoniada e desejando chegar a nossa casa para descansar. Vinha satisfeita, mas eu percebia que ela não vinha de boa vontade. Desculpava-se com o incómodo que era a viagem de autocarro de Beja para Lisboa, e vice-versa. Trazia um saco enorme, cheio de livros para estudar durante o fim de semana. Não trazia a roupa para lavar, pois isso, fazia-o ela, em Beja, na casa onde estava alojada

No dia 16 de Novembro de 1992, a Marta escrevia-nos e contava-nos em pormenor o seu dia a dia :

Queridos Paizinhos:
Está tudo bem?
Por cá está tudo bem.
Hoje é Terça-Feira, vim agora das aulas, estive a ter 2 h de Biologia, sempre a escrever.
Hoje almocei na escola, foi lulas com arroz, sopa c/ agrião, sumo de laranja e fruta (pêra) , o almoço não é mau, pelo menos o de hoje não foi mau.
Já me ando a sentir melhor, isto é, ando menos cansada, embora ontem tenha havido uma festa lá em casa, pois a Andreia, a rapariga do Porto, fez anos e fizesmos-lhe uma festa, foram muitos colegas lá da Escola, houve bolos, champanhe, foi muito engraçado.
Este fim-de-semana em princípio fico cá, porque tenho já que começar a estudar a sério, já tenho frequências marcadas para menos de um mês, logo a disciplina mais difícil Química-Física dia 12 de Dezembro, depois é Química Orgânica dia 9 de Janeiro e se não são estas fraquências são outras que calham ao Sábado.
A Aires fica cá este fim-de-semana,  por isso, ficamos as duas a estudar.
A Bia, aquela rapariga da Quinta do Anjo, ficou de me emprestar livros para eu tirar fotocópias no próximo fim-de-semana.
Ainda não paguei o quarto porque ainda não vi os senhores até hoje.
Ontem fui ao banco buscar o cartão Multibanco é muito colorido, e já o experimentei, Está bom!
Hoje quando vim das aulas, fiz uma estravagância, fui beber uma Coca-cola com um bolo, com a Aires, soube-nos bem, já há muito tempo que não o fazíamos.
Neste momento, estamos no meu quarto, eu estou a escrever e ela está a passar uma aula.
Daqui a pouco vamos tratar do jantar.
Um colega nosso da Paiã, o Nuno Lavadinho está muito doente com febre muito alta, teve de ir ao hospital e tudo, já levou 2 ou 3 injecções de "aspirina?" para baixar a febre e lá no hospital teve de levar uma injecção de penicilina.
E os colegas dele de quarto iam-lhe dar sopa de pacote e eu ofereci-lhe sopa da minha, porque era só o que  ele podia comer, pois doía-lhe muito a garganta, hoje acho que já está melhor.
Já mandei fazer a chave do meu quarto.
Agora sinto-me muito melhor no meu quarto, pois limpei-o todo, ficou muito bonito e com os cortinados, todas dizem que o meu quarto está muito bonito.
O Verão de S. Martinho continua cá em Beja, está um tempo muito agradável, embora à noite, como é normal, arrefeça um pouco.
Bem, agora vou passar uma aula e fazer um relatório, para ir jantar.
Um beijinho ( + de 1, muitos beijinhos) da vossa filha que vos ama muito

Eu telefono na quinta ou sexta-feira!

    Muitos Beijinhos                                  Recebi agora mesmo  uma carta                                                                                    da Rita diz que está tudo bem.   Neste momento está na Escócia.

Marta Varela Baleiro
No mesmo envelope vinha uma segunda carta, pois a primeira ainda não tinha sido enviada.
                                                                                  (2)

Queridos Pais:
Como está tudo por aí?
Por cá está tudo a correr bem.
Hoje é Domingo e ainda estou na cama a estudar um pouco, porque durante a semana não consigo estudar nada.
O Tempo tem estado muito bom, mas hoje acordei com o barulho da chuva, o senhor da casa esteve cá ontem a arranjar o telhado, parece que adivinhava que hoje ia chover, mas não está frio nenhum.
Estou a escrever hoje para pôr no correio amanhã, pois já tenho a outra carta escrita há muito tempo.
Agradeço imenso a encomenda, gostei muito.
Estive agora a ler a carta que escrevi na terça-feira e já paguei o quarto e o meu colega já está melhor, mas esteve bem atrapalhado.
No próximo fim-de-semana, em princípio vou aí, porque nos outros seguintes tenho que estudar e se eu andar de um lado para o outro não consigo estudar nada.
Como eu escrevi no fim da 1ª carta, a Rita escreveu-me está boa diz que está tudo a correr bem, a semana passada foi à Escócia, eu já tenho a carta escrita, mas o mais difícil é pô-la no correio.
O Nelson ainda não veio cá, mas depois nós falamos melhor sobre isso, no próximo fim-de-semana.
Tenho tentado gastar menos dinheiro, tenho conseguido gastar um pouco menos, mas há sempre qualquer coisa para comprar.
São neste momento 12h30m e estou a começar a ficar com fome.
Olhei agora para o caderno e lembrei-me: fiz uma ficha de Química e tive Suf+, eu fiquei muito contente, porque a maioria teve suf- e suf- - , como foi o caso da Aires.
Eu e a Aires agora estamos a dar bem, ela agora anda mais calma.
Bem, depois eu telefono, agora vou estudar mais um pouco.

Muitos, Muitos beijinhos
 da vossa filha que vos ama muito

Marta Varela Baleiro

A marta

Querida Zuzu,

Foi com delicadeza que abri o blog que criou sobre a Marta, abri-o pela mão da Rita com quem eu estava ao telefone. É uma verdade que poucos conhecemos, só imaginando, sem saber exactamente o que imaginar da dor sentida e arrancada do peito. Ainda que solidariamente amparemos uma dor que também sentimos, mas nem toda nossa e nunca comparável ao de uma mãe perante a ausência de um filho. Bem haja pela partilha Zuzu. A MARTA  vive em cada um de nós, em experiências e em sentidos diferentes, sempre como uma menina doce e cheia de brilho e alegria de viver, generosa e atenta para com todos os que a rodeavam. Guardo-a como uma imensa luz, esbelta, doce e terna, quente como quando o sol da primavera nos abraça, e a quem sempre se quer abraçar e dar a mão. A Marta está bem e é feliz onde está, porque protege quem ama.
Zuzu, queria escrever no blogue, mas ainda não estou habituada com esse meio e não sei como fazer. Vou descobrir como é e depois voltarei a tentar escrever. Só não podia deixar de lhe dar um beijo e agradecer-lhe Zuzu, minha querida "Tia" gosto, muito, muito de si e admiro-a Muito!!! Sou sua sobrinha sim, a Mag sua "neta" também que lhe envia um grande beijo.
Um beijo doce querida Amiga e Tia Zuzu.

A MORTE NÃO É NADA

A morte não é nada…
A morte não é nada. ..
Eu apenas passei
para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei a sê-lo.

Dêem-me o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam a viver
no mundo das pessoas,
eu estou a viver
no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir,
daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.

Que o meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.

A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque estaria eu fora dos vossos pensamentos?
agora que estou apenas fora  da vossa visão?

Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho...

Tu que aí ficaste, segue em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.

       Santo Agostinho                   

In memoriam

In memoriam


"Morre jovem aquele que os Deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os Deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares..."

                                                                            Fernando Pessoa

A MARTA EM BEJA

ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE BEJA

Após ter feito os exames das provas específicas, a Marta conseguiu uma nota bastante boa, o que lhe deu a possibilidade de ingressar na Escola Superior Agrária de Santarém, o que não estava nos  planos, pois já tinha combinado com o Paulo ir estudar para Beja, e ele arranjava lá um emprego. Então, ficou muito aborrecida por ter ficado em Santarém; nós tentámos convencê-la ficar em Santarém, visto que era uma Escola com maior prestígio e que ficava muito mais perto de Massamá.
 Ainda foi com a Aires a Santarém matricular-se e arranjar quarto. Mas no mesmo dia em que se matriculou, preencheu um documento de permuta, para ir para a Escola Agrária de Beja. Apesar de estar contente por ter entrado na Escola Superior, andava muito decepcionada, pois tinha tudo "programado" para ir para Beja, onde já se encontrava o Paulo e a colocação em Santarém vinha obrigá-la a mudar os planos.
Durante estes dias, tentámos convencê-la, mas deixámos que fosse ela a decidir.
Passado alguns dias, veio a autorização do Ministério da Educação para que se fosse matricular em Beja. A Marta ficou felicíssima. Logo no dia seguinte, foi no primeiro autocarro para Beja, afim de fazer a matrícula e procurar alojamento.
Era o sonho da Marta que começava a concretizar-se.
No fim-de-semana seguinte, fomos procurar quarto. Procurei a casa da mãe da Lúcia, onde estavam hospedadas jovens estudantes, mas a Marta não lhe agradou ficar ali, pois teria que partilhar o quarto com outra colega e ela queria um quarto só para ela. Vimos mais uma casa ou duas, mas as senhorias queriam alugar um quarto para duas raparigas, o que desagradava profundamente à Marta. A Marta ficou no quarto de uma amiga durante uma noite e no dia seguinte, já sozinha com a Aires calcorrearam Beja de ponta a ponta, para encontrarem um quarto individual. Finalmente alugaram um "quarto"  para cada uma, na Rua Tenente Sanches de Miranda, nº11,em Beja.
O senhorio adaptara umas arrecadações no fundo do quintal a "quartos". O "quarto" era muito pequeno, muito frio e húmido. O tecto era de telha vã, onde colocaram uma placa de contraplacado para tapar as telhas, mas o vento, a chuva e o frio entravam através do forro. A cama estava encostada à parede húmida e uma alcatifa no chão procurava tapar o cimento que havia por baixo, tinha uma janela velha e uma porta com frestas da largura de dois dedos, por onde entravam o vento e a chuva. A casa de banho, a cozinha, uma pequena sala de convívio e outros quartos para duas raparigas ficavam na casa principal, no outro extremo do pátio. A Marta estava muito contente por ter encontrado finalmente um quarto só para ela!
No fim-de-semana, fomos levar-lhe tudo o que ela precisava para ali viver. Roupas da cama, toalhas, cobertores, televisão, louças, livros e alguns objectos pessoais. Arrumámos-lhe o "quarto" o melhor que pudemos, procurámos torná-lo confortável, mas na verdade, eu saí dali muito angustiada, pois o quarto não tinha quaisquer condições de habitabilidade. Eu conhecia o clima frio e agreste do Baixo Alentejo e a cidade de Beja é conhecida pelos Invernos muito rigorosos. Eu estava preocupada. Sabia que a Marta se tinha precipitado com o aluguer daquele "quarto" e conhecia a Marta para saber que ela se iria sujeitar àquelas condições, pois não queria partilhar o quarto com mais ninguém.
Cheguei a Massamá, comecei a fazer um cortinado feito com um cobertor para pôr na porta e um outro cortinado para a janela, talvez os cortinados atenuassem um pouco o frio intenso das noites gélidas!... O Inverno de 1992 foi um dos mais rigorosos dos últimos anos, chuvas torrenciais inundaram o "quarto", mais do que uma vez e este continuava frio, desconfortável e a cheirar a mofo. Quando me deitava no meu quarto quente e confortável da nossa casa de Massamá, pensava nas condições em que a Marta se encontrava e isso preocupava-me e angustiava-me  imenso.
No quintal da casa, havia quatro ou cinco quartos, todos iguais ao da Marta, dentro da casa, havia mais três ou quatro quartos, logo estavam ali alojadas doze ou treze  raparigas. A casa de banho e a cozinha ficavam na casa principal, e era só uma casa de banho e uma cozinha para todas as raparigas.
No dia em que lá fomos, havia imensa louça suja no lava-louças, pois todas iam pondo louça empilhada, até que a Marta, que detestava ver desarrumação e tanta louça por lavar, arregaçava as mangas e lavava toda a louçaria!... eu chamei-a a atenção para que não o fizesse, pois estava a ser explorada pelas outras raparigas, mas sei que muitas vezes o deve ter feito! Tudo isto, fez com que eu não me entusiasmasse nada e a minha expressão de desagrado foi notada pela Marta. Ela sabia que eu tinha razão em estar preocupada, pois a casa não tinha condições para tanta gente  morar  ali, pois faltava o ambiente calmo e confortável necessário ao estudo.
 Eu temia que as condições do quarto lhe trouxessem problemas de saúde e ao mesmo tempo receava que os estudos fossem prejudicados com toda esta agitação.
Penso que a Marta também se apercebeu das poucas condições da casa, mas ao mesmo tempo não queria deixar aquela casa onde estava à sua vontade e onde não havia ninguém a controlá-las e a aborrecê-las com exigências.
A Marta depressa fez amizade com as restantes raparigas da casa. Sentia-se bem com o convívio alegre e descontraído que ali viviam e para me "animar" dizia-me que o quarto estava mais confortável, depois da colocação dos cortinados e que adorava estar ali. Eu não a queria estar constantemente a “massacrar” com a mesma conversa, pois eu sentia que ela tinha que ser responsável pelos seus actos e pela sua vida. A primeira carta que recebemos da Marta, não me tranquilizou.

"Queridos Pais
Espero que esteja tudo bem por aí.
Por cá está tudo bem.
Ando é um pouco cansada porque a escola é muito longe, mas é uma questão de hábito.
Na Segunda-feira aconteceu-me uma coisa engraçada, enganei-me na sala e fui para outra turma. No horário estava laboratório 1 ou sala 2 , eu vi gente na sala 2 e como não sabia a minha turma, entrei, assinei a folha de presenças e assisti durante 2h , de repente eu percebi que não era a disciplina certa, mas como eu ainda não sei bem o que cada disciplina consta, não me apercebi. A minha sorte é que não tive aula, senão tinha falta. Disse à professora e saí, todos se riram e eu e a Aires saímos muito envergonhadas.
A Aires está neste momento a dormir, porque anda muito cansada.
São precisamente 6h45m.
Tenho gasto muito dinheiro esta semana.
Eu estou a gostar das aulas, mas são muito diferentes do liceu, muita gente, os professores falam muito depressa, não consigo tirar apontamentos nenhuns.
Ah! Onde eu estou a gastar o dinheiro é nas sebentas que os professores mandam comprar.
Estive agora mesmo a escrever à Ritinha a contar todas as novidades.
Esta semana o tempo está melhor, não está tanto frio, tenho andado com a camisola verde que vocês me compraram que é muito quentinha.
Tenho comido muito bem, e muitos chocolates e rebuçados quando estou a passar as aulas. Eu estou a achar o curso muito difícil! Mas o tempo irá dizer como irá terminar.
Já conheci pessoas da Escola muito simpáticas, conheci uma rapariga de Setúbal (Quinta do Anjo) chama-se Bia é muito simpática, e já disse se eu precisasse de alguma coisa da escola do 1º ano ela me ajudava, ela está no 2º ano (com disciplinas do 1º é claro, como todos!).
Bem agora vou terminar, pois vou acordar a Aires para irmos fazer o jantar, para nos deitarmos cedo, porque amanhã temos aulas às 8 h.
Há alturas em que me apetece estar aí em casa com vocês, mas logo me lembro que eu estou a tirar o meu curso para um dia ser Engª. Marta Varela Baleiro.
Mas tenho saudades da cara séria do pai e dos repentes da mãe.
Quando receberem a carta, eu devo ter falado com vocês ao telefone.
Um beijinho, (Um não, muitos beijinhos)
Desta vossa filha que vos ama muito

20 de Outubro de 1992

Marta Varela Baleiro