MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A PRAIA

                   A PRAIA
               
As ondas ritmadas desfazem-se na areia solitária.
O céu, cor de chumbo, reflecte-se na água. A água é escura e triste.
Estou só. Estou acompanhada pelo pensamento em ti.
Penso em ti...
Olho o mar, as gaivotas, o céu nublado e cinzento.
Uma gaivota branca não tem forças para voar. Procuro ajudá-la. Não consegue reagir, vai morrer ali mesmo. O bando ignora-a. Voam de um lado para o outro, poisam junto às águas sujas do esgoto.
Pobre jovem gaivota. Também ela não vai saber o que é envelhecer. Tal como tu, que partiste na flor da idade, que partiste quando começavas a descobrir o bom que é viver.
Olho-a, respira com dificuldade. Não tem forças para levantar a cabeça. Não pode mexer-se. As patas estão inertes, sem forças para susterem o corpo jovem, de lindas  e sedosas penas brancas e azuisl.
Olho-a e lembro o teu sofrimento. Lembro os momentos dramáticos que passámos. Eu nunca pensei que tu partisses assim, daquela maneira.
Tu, forte e saudável, a mais saudável de nós todos, nunca poderias partir assim! longe de mim tal ideia. Sempre pensei que recuperasses.
Hoje, revolto-me por ter acreditado nos médicos e de não ter ido para o pé de ti, assistir aos teus últimos momentos, assistir contigo ao teu último suspiro.
Os médicos foram egoístas, não me disseram que tu estavas a morrer, ou por outra, talvez eles mo dessem a perceber, só que eu nunca pensei nisso.
Pensei que era uma coisa passageira, um mal estar, uma indisposição e que tudo seria resolvido. Afinal, nunca mais te vi com vida, minha querida, minha pequenina. Quando beijo a tua fotografia sinto o frio do teu corpo morto, a sensação é a mesma, por isso, tenho alguma dificuldade em beijar o teu retrato.
Olho-os, vejo-os, mas raramente os beijo, porque o frio do vidro me transporta para momentos dolorosos, que apesar de não querer esquecê-los, também me é difícil recordá-los.
 Carcavelos 7 de Dezembro de 1995
Da mãe Zuzu

O NASCIMENTO 21 DE JANEIRO DE 1974


O nascimento
            Numa tarde fria de Inverno, pelas 16 horas, do dia 21 de Janeiro de 1974, nasceu a Marta na Clínica de S.Gabriel em Lisboa. Para vir ao mundo a Marta teve que lutar muito, pois tanto a gravidez como o parto foram bastante conturbados. Sinais constantes  de aborto, obrigaram-me a tratamentos constantes e a um repouso que me deixavam muito nervosa e ansiosa. Com sete meses de gravidez, voltei a ter sinal de aborto e por isso  tive que ter mais repouso, para ver se o bébé nascia na data prevista. Quando faltavam umas duas semanas, eu, o pai e a Rita resolvemos ir de malas e bagagens  para Benfica, para casa da avó Amélia e do avô Vitalino para ficármos mais perto da clínica.
Entrei na Clínica dia 20 por volta das 10 horas da noite. Sentia grandes contracções e estava na data prevista para o parto. O meu médico assistente era o director da clínica e eu sentia-me apoiada, além disso, a Rita tinha também nascido ali e apesar de ter nascido de cesariana, tudo tinha corrido bem.
O médico convenceu-se de que como era o segundo filho, eu teria um parto normal, então, devido a essa ideia do obstetra tudo se complicou. Comecei em trabalho de parto, com muitas dores,  mas a dilatação não se fazia, e o sofrimento começou a ser muito grande.
 De tempos a tempos, aparecia uma enfermeira e eu pedia-lhe que chamassem o médico, pois sentia que não aguentava por mais tempo, tantas dores. Passadas não sei quantas horas, para mim foram uma eternidade, comecei a descontrolar-me e penso mesmo que perdi os sentidos. Chamaram o médico e imediatamente fui para a sala de operações, onde me foi feita uma cesariana. Nasceu uma menina perfeita, mas já com sinais visíveis de sofrimento, por isso a bébé foi para a incubadora onde esteve cerca de doze horas. Só no dia seguinte vi a minha bebé.
Partilhei o quarto da Clínica com uma jovem parturiente inglesa que dera à luz um rapaz. Ela disse-me que se tivesse tido uma rapariga  chamar-se-ia Marta. Fiquei a pensar no nome, que me soou bastante bonito e imediatamente pensei que a minha bébé chamar-se-ia Marta.
Como gosto de nomes pequenos, logo ficou decidido, que este seria o seu nome.
A Marta sempre gostou muito do nome dela e às vezes, chamávamos-lhe de uma forma carinhosa  Martinha ou Martocas.
Foi uma bébé muito saudável e bem disposta. Quando fez um ano de idade já andava e dizia algumas palavras. O facto de conviver com crianças, um pouco mais velhas que ela, do prédio, da rua e com os primos, desenvolveu-a e tornou-a muito sociável.
AMarta tinha três meses quando se deu a Revolução do 25 de Abril de 1974. A partir dessa data, o nosso país sofreu  grandes modificações políticas e sociais.
Tanto eu como o Zé éramos muito jovens e há muito que desejávamos  mudanças no regime, por isso esperávamos que a Revolução do Movimento das Forças Armadas viesse a  transformar Portugal num país democrático, como na verdade veio a acontecer, onde todos os cidadãos pudessem participar na escolha dos governantes, onde não houvesse censura, nem polícia politica e sobretudo que acabasse com a guerra no Ultramar, a qual parecia nunca mais terminar.
           Vivíamos intensamente todas essas mudanças, necessárias para a libertação do  país de  40 anos de ditadura, mas como tínhamos as crianças muito pequenas não nos era possível uma participação mais activa. Foi com enorme e grande entusiasmo que participei na grande manifestação do 1º de Maio de 1974, enquanto o Zé ficou com as crianças, vendo pela televisão toda aquela  enorme multidão que  saiu da Alameda Afonso Henriques, subiu a Av. Almirante Reis para se dirigir ao estádio 1º de Maio, onde os principais dirigentes políticos puderam usar da palavra. Tudo era novo e apaixonante para quem nunca tinha podido expressar livremente as suas ideias.

O PEDIDO DE CASAMENTO 12 DE MAIO DE 1994

MARTA COM A AVÓ AMÉLIA NO DIA DO PEDIDO DE CASAMENTO




No dia 12 de Maio de 94 escreve:

                          "12 de Maio
Hoje foi um dia muito importante para mim.
O Paulo pediu-me em casamento aos meus pais, não marcámos data, mas se tudo correr bem daqui a um ano ou menos.
O Paulo fez tudo como manda a "praxe",  pediu ao Zé Maria e à Paula para irem a minha casa beber café, depois de um pouco de conversa o Zé Maria fez o comunicado.
O meu pai ficou muito admirado, pois nem ele nem a minha mãe desconfiavam de alguma coisa. Só a minha avó Amélia estava um pouco desconfiada, ela ficou muito emocionada. Penso que os meus pais ficaram contentes, mas não demonstraram muito. O meu pai como era de esperar começou logo com os seus  pessimismos, a minha mãe reagiu como eu esperava.
Foi um dia muito feliz, mas muito emocionante para mim.
A Paula estava muito feliz.
E eu e o Paulo também gostamos de nos tratar por "noivos".
A Paula e o Zé Maria foram muito simpáticos.
Espero que  eu e o Paulo. sejamos muito felizes."

MARTA NO DIA DO PEDIDO DE CASAMENTO


















O pedido de casamento da Marta apanhou-nos de surpresa. Calculávamos que um dia eles pensariam em casar-se, mas como já viviam juntos, sem nos terem perguntado nada, achávamos que não haveria pedido de casamento.
O Paulo andava muito entusiasmado em explorar uma propriedade do pai dele, localizada perto de Beja, por isso, decidiram pedir um subsídio ao Ministério da Agricultura para plantar sobreiros e azinheiras. A Marta fazia parte da "sociedade" , como jovem estudante da Escola Superior Agrária e era também responsável pelos empréstimos ao Ifadap. Quando ela disse que o Paulo queria vir a nossa casa, com a mãe e o Zé Maria, eu pensei que seria por causa do empréstimo, mas não deixei de ficar um pouco desconfiada.
Nesse dia, a Marta tinha uma consulta de estomatologia na Dr.ª Armanda, por isso,  o Zé veio mais cedo do Banco, para a levar a Oeiras. Como esteve cerca de duas horas para  desvitalizar um ou dois dentes, quando chegou aqui a casa, vinha muito mal disposta, muito branca e cheia de dores de dentes. Ela estava nervosa e preocupada, pois sabia que o Paulo e a mãe apareceriam dentro de pouco tempo. Deitou-se no sofá e o aspecto dela era de quem estava com muitas dores. Eu estava muito preocupada com a Marta, sempre sofreu com dores de dentes e quando devia estar bem, com boa disposição,estava mesmo doente.
Pedi à minha mãe que fizesse um bolo para o café. Eu andava a dar assistência à Marta e a organizar as coisas. Quando fomos tirar o bolo da forma, este começou a baixar, a baixar e a minguar  e ficou com um aspecto horrível. A minha mãe  disse que nunca tinha feito um bolo tão ruim!
Qualquer coisa superior a mim fazia-me sentir angustiada e nervosa, eu não percebia o que se estava a passar comigo, mas eu  pressentia alguma coisa de ruim, algo que iria empecilhar a felicidade da minha Marta, por isso, sentia-me apreensiva.
 Olhava a Marta, via-a muito mal encarada, mas feliz. Porque estaria eu assim?
Hoje sei a razão e por isso fico muito angustiada e muito triste.

O Paulo ofereceu-lhe um anel de noivado, que a Marta nunca mais tirou do dedo. Ela adorava aquele anel e toda a sua simbologia.


No mês de Agosto de 1994, como o Paulo tivesse um apartamento para alugar em Tróia, decidi pedir-lhe que nos alugasse o apartamento. Os meus pais também foram passar lá os 10 dias de férias. A Marta e o Paulo decidiram também ficar connosco. Tanto eu como o Zé sentíamos que algo não estava bem.
Não gostei do relacionamento entre eles. O Paulo enervava-a imenso e por vezes o ambiente era tenso. Ele andava nervoso e conseguia contagiar-nos a todos com o seu nervosismo. Ficava na pesca horas intermináveis e a Marta sentia-se na obrigação de o acompanhar, para sítios muito isolados, onde não havia ninguém. Por vezes ela ficava connosco e durante o tempo de férias senti que a Marta andou sempre muito dividida e ansiosa para poder contentar a todos, a nós e ao namorado. 

Beja – 1994

Alguns meses depois, talvez em Setembro ou Outubro, não sei precisar quando, por volta das 10 horas da noite, recebemos um telefonema da Marta de Beja, a chorar imenso, bastante descontrolada e nervosa, dizendo-nos que ela e o Paulo tinham tido uma discussão e que este fizera a mala e tinha saído de casa. Chorava desseperada e estava muito triste; do lado de cá da linha eu sentia a desorientação dela. A Marta não gostava de discussões e ficava completamente perdida quando alguém discutia com ela. Eu sentia-me impotente, estava longe, e não sabia o que dizer-lhe numa situação tão dramática. Ela pedia-me ajuda e eu não podia dar-lha. Disse-lhe que se acalmasse, pois se o Paulo gostasse dela, ele voltaria. Que se descontraísse e se acalmasse que tudo tinha uma solução. Ela ouvia-me com muita atenção, era uma das características da Marta o ouvir-nos e acatar os nossos conselhos, penso que as minhas palavras a consolaram e a acalmaram um pouco. Desligámos o telefone. Eu fiquei muito preocupada, pois sabia que a minha filha estava sozinha e longe, sem que eu pudesse apoiá-la. Passado algum tempo, voltei a ligar-lhe. Encontrei-a mais calma e mais resignada. A Marta tinha estado a falar com a mãe do Paulo  e esta também a tinha tranquilizado, dizendo-lhe que ele voltaria. Ao fim de uma duas ou três horas, a Marta telefonou-me, dizendo-me que o Paulo voltara, que tinham tido uma grande conversa e que ele decidira ficar.
Este incidente alertou-me para a fragilidade desta união, afinal não era tão sólida e estável como estávamos a pensar. Depois disso, apercebi-me algumas vezes que a Marta sofria com certas atitudes do Paulo e que este não se preocupava muito quando dizia uma palavra que a magoava e por vezes, eu sentia que o Paulo menosprezava a Marta, quando ela era, em muita coisa, superior a ele.
A Marta sabia aquilo que queria para o seu futuro, tinha um objectivo concreto a realizar, esforçava-se para concluir o seu curso o mais rapidamente possível. Estava com  muita  vontade para que esta união, que ela assumiu, desse certa e, por vezes, anulava-se um pouco perante o feitio crítico e complicado do Paulo. Este, desde que viviam juntos, procurava empregos e ocupações que lhe dessem uma independência financeira, mas nunca o conseguiu. Penso que foi um dos motivos por que esta união passou  tantas atribulações.

No Natal de 1994, notava-se um certo mal estar entre eles. Chegaram de Beja no dia 24 de Dezembro, vinham um pouco tensos, sentia-se que "as coisas" não estavam bem. Percebi que estavam com pouco dinheiro e que queriam ir fazer compras de Natal, isso incomodava-os bastante. Dei algum dinheiro à Marta e saíram para fazer as compras.
A Odília e o Rodrigo tinham-nos convidado a passar a noite da consoada na Marisol, para estarmos todos juntos, com a avó Dolores e a tia Pulquéria que vieram de Amareleja para passar o Natal connosco.
A Marta e o Paulo estavam sentados à minha frente. Não me lembro quais os temas de conversa havidos durante a ceia de Natal, recordo apenas a Marta a esforçar-se para que o Paulo estivesse mais bem disposto e se descontraísse, pois ele mostrava um certo enfado por estar ali.
Sentíamo-nos relativamente bem. Estávamos em família, reunidos como acontecia em tantos Natais. Faltava o avô Baleiro, que nos tinha deixado para sempre, há dois anos. Nada fazia prever  que estivéssemos tão próximos de uma tão grande fatalidade. Ah, se nós pudéssemos adivinhar o futuro!...Saberíamos viver intensamente todos os acontecimentos, dos maiores aos mais insignificantes.
No dia seguinte, o almoço do Dia de Natal foi como todos os almoços de um dia de Natal, não me lembro se a Marta veio sozinha almoçar, se veio com o Paulo, penso que estava sozinha e o namorado foi almoçar com o pai ou com a mãe; há um vazio enorme na minha memória do que foi esse Natal.
Logo a seguir ao Natal, foram-se embora para Beja. Desde que começaram a viver juntos, a Marta ficava o tempo indispensável connosco, já estávamos habituados, mas às vezes, não resistíamos a perguntar-lhe se ela não quereria ficar mais uns dias aqui em casa. Claro que tínhamos a resposta habitual de que tinha que ir para estudar, nós concordávamos!...

Beja Escola Superior Agrária de Beja

PRIMEIRA FOTOGRAFIA DA MARTA EM BEJA
Beja   Escola Superior Agrária de Beja

 Após ter feito os exames das provas específicas, a Marta  conseguiu uma nota bastante boa, o que lhe deu a possibilidade de ingressar na Escola Superior Agrária de Santarém, o que não estava nos seus planos conforme ela refere no seu diário.  Então, ficou muito aborrecida por ter ficado em Santarém; nós tentámos convencê-la ficar em Santarém , visto que era uma Escola com maior prestígio e que ficava muito mais perto de Massamá.
 Ainda foi com a Aires a Santarém  matricular-se e arranjar quarto. Mas no mesmo dia em que se matriculou, preencheu um documento de permuta, para ir para a Escola Agrária de Beja. Apesar de estar contente por ter entrado na Escola Superior, andava muito decepcionada, pois tinha tudo "programado" para ir para Beja, onde já se encontrava o Paulo e a colocação em Santarém vinha obrigá-la a mudar os planos.
Durante estes dias, tentámos convencê-la, mas deixámos que fosse ela a decidir.
Passado alguns dias, veio a autorização do Ministério da Educação para que se fosse matricular em Beja. A Marta ficou felicíssima. Logo no dia seguinte, foi no primeiro autocarro para Beja, afim de fazer a matrícula e procurar alojamento.
Era o sonho da Marta que começava a concretizar-se. Escreve no seu diário:
Hoje é dia 21.10.92
Estou muito longe de onde te costumo escrever, estou em Beja.
Pois é, consegui o que queria, entrar em Beja.
Estou numa casa só para estudantes, somos muitas raparigas, a Aires também cá está.
Ainda não fui às aulas porque tenho fugido da praxe, mas amanhã é o dia do caloiro, há um desfile e à noite há festa na discoteca.
Eu gosto do quarto, embora seja um pouco caro e muito frio, estou a pagar (20.000$00)
O Paulo   também cá está a tirar a carta.
Eu estou a gostar de Beja, é uma cidade simpática.
A escola é um pouco longe, mas com companhia, faz-se.
Bem agora vou fazer o meu jantar. Amanhã ou depois, conto-te como foi ser caloira.
Tchau!
Sinto-me um pouco sózinha, mas não é assim tão mau,
 dias melhores, dias piores ...
Escola Superior Agrária de Beja
Curso TIAA
Tuma 10            1º ano   nº57/92


No fim de semana seguinte, fomos procurar quarto. Procurei a casa da mãe da Lúcia, onde estavam hospedadas jovens estudantes, mas a Marta não lhe agradou ficar ali, pois teria que partilhar o quarto com outra colega e ela queria um quarto só para ela. Vimos mais uma casa ou duas, mas as senhorias queriam alugar um quarto para duas raparigas, o que desagradava profundamente à Marta. A Marta ficou no quarto de uma amiga durante uma noite e no dia seguinte, já sozinha com a Aires calcorrearam Beja de ponta a ponta, para encontrarem um quarto individual.
Finalmente alugaram um "quarto"  para cada uma, na Rua Tenente Sanches de Miranda, nº11,em Beja.
Dia 12 de Outubro de 1992 chegou o pedido de transferência de Santarém para Beja.
A Marta escreve na agenda, sublinhado com dois traços:  Fiquei em Beja.
No dia 16 de Outubro passa a 1ª noite no quarto da casa da D. Helena, na Rua Tenente Sanches de Miranda, nº11- Beja
Dia 18 de Dezembro 1992, último dia de aulas do 1º Período.
Natal de 1992
Escreve na Agenda:
O meu Natal foi como todos os outros, só com a diferença de ter tido menos prendas, porque a minha vida mudou bastante, desde o momento em que fui para Beja, é muita despesa, eu gasto                                                                 mais de 40 contos por mês.
Se este 1º ano não tirar boas notas volto para Lisboa e entro numa particular, como o Ismag, onde posso tirar o curso e nem gasto nem metade do dinheiro que gasto neste momento.
Mas eu sei que não sou parva e vou esforçar-me mais para ver se consigo, pois um curso tirado numa faculdade estatal ou na particular é muito diferente, a nível de futuro emprego.
Mas eu estes primeiros meses portei-me muito mal, mas agora de 1 de Janeiro, ano novo, vida nova.

O senhorio adaptara umas arrecadações no fundo do quintal a "quartos". O "quarto" era muito pequeno, muito frio e húmido. O tecto era de telha vã, onde colocaram uma placa de contraplacado para tapar as telhas, mas o vento, a chuva e o frio entravam através do forro. A cama estava encostada à parede húmida e uma alcatifa no chão procurava tapar o cimento que havia por baixo, tinha uma janela velha e uma porta com frestas da largura de dois dedos, por onde entravam o vento e a chuva.  A casa de banho, a cozinha, uma pequena sala de convívio e outros quartos para duas raparigas ficavam na casa principal, no outro extremo do pátio. A Marta estava muito contente por ter encontrado finalmente um quarto só para ela!
No fim de semana, fomos levar-lhe tudo o que ela precisava para ali viver. Roupas da cama, toalhas, cobertores, televisão, louças, livros e alguns objectos pessoais. Arrumámo-lhe o "quarto" o melhor que pudemos, procurámos torná-lo confortável, mas na verdade, eu saí dali muito angustiada, pois  não tinha quaisquer condições de habitabilidade. Eu conhecia o clima frio e agreste do Baixo Alentejo e a cidade de Beja é conhecida pelos Invernos muito rigorosos. Eu estava preocupada. Sabia que a Marta se tinha precipitado com o aluguer daquele "quarto" e conhecia a Marta para saber que ela se iria sujeitar àquelas condições, pois não queria partilhar o quarto com mais ninguém.
Cheguei a Massamá, comecei a fazer um cortinado feito com um cobertor para pôr na porta e um outro cortinado para a janela, talvez os cortinados atenuassem um pouco o frio intenso das noites gélidas!... O Inverno de 1992 foi um dos mais rigorosos dos últimos anos, chuvas torrenciais inundaram o "quarto" por mais  que uma vez e este continuava frio, desconfortável e a cheirar a mofo. Quando me deitava no meu quarto quente e confortável da nossa casa de Massamá, pensava nas condições em que a Marta se encontrava e isso preocupava-me  imenso.
No quintal da casa, havia  quatro ou cinco quartos, todos iguais ao da Marta, dentro da casa, havia mais três ou quatro quartos, logo estavam ali alojadas doze ou treze  raparigas. A casa de banho era só uma e na cozinha também não havia muito espaço. Tudo isto, fez com que eu não me entusiasmasse nada e a minha expressão de desagrado foi notada pela Marta. Ela sabia que eu tinha razão em estar preocupada, pois a casa não tinha condições para tanta gente habitar ali e faltava o ambiente calmo e confortável necessário ao estudo.
 Eu temia que as condições do quarto lhe trouxessem problemas de saúde e ao mesmo tempo receava que os estudos fossem prejudicados com toda esta agitação.
Penso que a Marta também se apercebeu das poucas condições da casa, mas ao mesmo tempo não queria deixar aquela casa onde estava à sua vontade e onde não havia ninguém a controlá-las e a aborrecê-las com exigências.
A Marta depressa fez amizade com as restantes raparigas da casa. Sentia-se bem com o convívio alegre e descontraído que ali viviam e para me "animar" dizia-me que o quarto estava mais confortável, depois da colocação dos cortinados e que adorava estar ali, eu sentia que ela tinha que ser responsável pelos seus actos e pela sua vida. A primeira carta que recebemos da Marta, não me tranquilizou.

"Queridos Pais
Espero que esteja tudo bem por aí.
Por cá está tudo bem.
Ando é um pouco cansada porque a escola é muito longe, mas é uma questão de hábito.
Na Segunda-feira aconteceu-me uma coisa engraçada, enganei-me na sala e fui para outra turma. No horário estava laboratório 1 ou sala 2 , eu vi gente na sala 2 e como não sabia a minha turma, entrei, assinei a folha de presenças e assisti durante 2h , de repente eu percebi que não era a discilplina certa, mas como eu ainda não sei bem o que cada discilplina consta, não me apercebi. A minha sorte é que não tive aula, senão tinha falta. Disse à professora e saí, todos se riram e eu e a Aires saímos muito envergonhadas.
A Aires está neste momento a dormir, porque anda muito cansada.
São precisamente 6h45m.
Tenho gasto muito dinheiro esta semana.
Eu estou a gostar das aulas, mas são muito diferentes do liceu, muita gente, os professores falam muito depressa, não consigo tirar apontamentos nenhuns.
Ah! Onde eu estou a gastar o dinheiro é nas sebentas que os professores mandam comprar.
Estive agora mesmo a escrever à Ritinha a contar todas as novidades.
Esta semana o tempo está melhor, não está tanto frio, tenho andado com a camisola verde que vocês me compraram que é muito quentinha.
Tenho comido muito bem, e muitos chocolates e rebuçados quando estou a passar as aulas. Eu estou a achar o curso muito difícil! Mas o tempo irá dizer como irá terminar.
Já conheci pessoas da Escola muito simpáticas, conheci uma rapariga de Setúbal (Quinta do Anjo) chama-se Bia é muito simpática, e já disse se eu precisasse de alguma coisa da escola do 1º ano ela me ajudava, ela está no 2º ano (com disciplinas do 1º é claro, como todos!).
Bem agora vou terminar, pois vou acordar a Aires para irmos fazer o jantar, para nos deitarmos cedo, porque amanhã temos aulas às 8 h.
Há alturas em que me apetece estar aí em casa com vocês, mas logo me lembro que eu estou a tirar o meu curso para um dia ser Engª. Marta Varela Baleiro.
Mas tenho saudades da cara séria do pai e dos repentes da mãe.
Quando receberem a carta, eu devo ter falado com vocês ao telefone.
Um beijinho, (Um não, muitos beijinhos)
Desta vossa filha que vos ama muito

20 de Outubro de 1992
Marta Varela Baleiro

Nos fins-de-semana, tínhamos a visita da Marta. Vinha de autocarro e como ela sempre enjoou nas viagens, chegava, muitas vezes,  agoniada e desejando chegar a nossa casa para descansar.

No dia 16 de Novembro de 1992, a Marta escrevia-nos e contava-nos em pormenor o seu dia a dia :

Queridos Paizinhos:
Está tudo bem?
Por cá está tudo bem.
Hoje é Terça-Feira, vim agora das aulas, estive a ter 2 h de Biologia, sempre a escrever.
Hoje almocei na escola, foi lulas com arroz, sopa c/ agrião, sumo de laranja e fruta (pêra) , o almoço não é mau, pelo menos o de hoje não foi mau.
Já me ando a sentir melhor, isto é, ando menos cansada, embora ontem tenha havido uma festa lá em casa, pois a Andreia, a rapariga do Porto, fez anos e fizesmos-lhe uma festa, foram muitos colegas lá da Escola, houve bolos, champanhe, foi muito engraçado.
Este fim-de-semana em princípio fico cá, porque tenho já que começar a estudar a sério, já tenho frequências marcadas para menos de um mês, logo a disciplina mais difícil Química-Física dia 12 de Dezembro, depois é Química Orgânica dia 9 de Janeiro e se não são estas fraquências são outras que calham ao Sábado.
A Aires fica cá este fim-de-semana,  por isso, ficamos as duas a estudar.
A Bia, aquela rapariga da Quinta do Anjo, ficou de me emprestar livros para eu tirar fotocópias no próximo fim-de-semana.
Ainda não paguei o quarto porque ainda não vi os senhores até hoje.
Ontem fui ao banco buscar o cartão Multibanco é muito colorido, e já o experimentei, Está bom!
Hoje quando vim das aulas, fiz uma estravagância, fui beber uma Coca-cola com um bolo, com a Aires, soube-nos bem, já há muito tempo que não o fazíamos.
Neste momento, estamos no meu quarto, eu estou a escrever e ela está a passar uma aula.
Daqui a pouco vamos tratar do jantar.
Um colega nosso da Paiã, o Nuno Lavadinho está muito doente com febre muito alta, teve de ir ao hospital e tudo, já levou 2 ou 3 injecções de "aspirina?" para baixar a febre e lá no hospital teve de levar uma injecção de penicilina.
E os colegas dele de quarto iam-lhe dar sopa de pacote e eu ofereci-lhe sopa da minha, porque era só o que  ele podia comer, pois doía-lhe muito a garganta, hoje acho que já está melhor.
Já mandei fazer a chave do meu quarto.
Agora sinto-me muito melhor no meu quarto, pois limpei-o todo, ficou muito bonito e com os cortinados, todas dizem que o meu quarto está muito bonito.
O Verão de S. Martinho continua cá em Beja, está um tempo muito agradável, embora à noite como é normal arrefeça um pouco.
Bem, agora vou passar uma aula e fazer um relatório, para ir jantar.
Um beijinho ( + de 1, muitos beijinhos) da vossa filha que vos ama muito

Eu telefono na quinta ou sexta-feira!

    Muitos Beijinhos                                  Recebi agora mesmo  uma carta                                                                                                                                                          da Rita diz que está tudo bem.
                                                                                                                                                    Neste momento está na Escócia.

Marta Varela Baleiro
No mesmo envelope vinha uma segunda carta, pois a primeira ainda não tinha sido enviada.
                                                                                  (2)

Queridos Pais:
Como está tudo por aí?
Por cá está tudo a correr bem.
Hoje é Domingo e ainda estou na cama a estudar um pouco porque durante a semana não consigo estudar nada.
O Tempo tem estado muito bom mas hoje acordei com o barulho da chuva, o senhor da casa esteve cá ontem a arranjar o telhado, parece que adivinhava que hoje ia chover, mas não está frio nenhum.
Estou a escrever hoje para pôr no correio amanhã, pois já tenho a outra carta escrita há muito tempo.
Agradeço imenso a encomenda, gostei muito.
Estive agora a ler a carta que escrevi na terça-feira e já paguei o quarto e o meu colega já está melhor, mas esteve bem atrapalhado.
No próximo fim-de-semana, em princípio vou aí, porque nas outras seguintes tenho que estudar e se eu andar de um lado para o outro não consigo estudar nada.
Como eu escrevi no fim da 1ª carta, a Rita escreveu-me está boa diz que está tudo a correr bem, a semana passada foi quando foi à Escócia, eu já tenho a carta escrita, mas o mais difícil é pô-la no correio.
O Nelson ainda não veio cá, mas depois nós falamos melhor sobre isso, no próximo fim-de-semana.
Tenho tentado gastar menos dinheiro, tenho conseguido gastar um pouco menos, mas há sempre qualquer coisa para comprar.
São neste momento 12h30m e estou a começar a ficar com fome.
Olhei agora para o caderno e lembrei-me: fiz uma ficha de Química e tive Suf+, eu fiquei muito contente, porque a maioria teve suf- e suf- - , como foi o caso da Aires.
Eu e a Aires agora estamos a dar bem, ela agora anda mais calma.
Bem depois eu telefono, agora vou estudar mais um pouco.

Muitos, Muitos beijinhos
 da vossa filha que vos ama muito

Marta Varela Baleiro

Documentos das praxes / fotos da praxe
 Frequentava o Curso de Indústria Agro-Alimentares na turma ... do 1º ano.
Nunca faltava às aulas. Mesmo debaixo de chuva ou de frio intenso, levantava-se muito cedo, para estar nas aulas às 8 horas da manhã. Sentia-se bem e andava muito bem disposta.
O Paulo estava também em Beja, viam-se todos os dias e estavam  felizes.
Dia 31 de Dezembro
"Fim do Ano
Ano Novo Vida Nova, Ano Velho Vida Velha.
Tenho de tomar certas medidas na minha vida, pois já tenho idade para ser mais responsável e saber aquilo que quero e saber dos sacrifícios dos meus pais.
Espero encontrar uma casa nova para mim e para a Aires em Beja, em que não seja tanta confusão. Pois neste momento somos 11 raparigas numa casa sem muitas condições e torna-se muito desgastante para mim.
Espero que os meus pais sejam o mais feliz possível, assim como desejo que a minha irmã tenha tudo aquilo que deseja.
Espero que o meu namoro com o Paulo  continue e sejamos muito felizes.
Espero ser feliz no ano de 1993

Com todas estas mudanças na sua vida, os estudos também se ressentiram. O ambiente na casa não era o mais propício ao estudo e logo nas primeiras frequências os resultados não foram muito animadores. Não havia nenhum adulto na casa que vigiasse minimamente quem  visitava as raparigas e a meio do ano, começaram a receber muitos amigos, de tal forma que os serões eram passados a conversar e o estudo ficava para trás. A Marta era muito trabalhadora e procurava fazer todos os trabalhos que lhe eram pedidos, mas com o ambiente da casa que não era o ideal para o estudo e muitas vezes  sentia-se desmotivada, pois os professores eram muito exigentes e as  disciplinas muito trabalhosas. No primeiro ano chumbou a várias cadeiras, mas de qualquer modo transitou para o 2ºano.

A Marta a meio do ano lectivo 1992/1993, talvez em Março de 93, resolveu ir viver com o Paulo, alugaram a casa da Maria Albertina, na Rua Ferreira de Castro, nº26, 2º D. Foi uma decisão muito complicada, pois ambos assumiram a responsabilidade de uma união com  todos os inconvenientes e responsabilidades que isso iria trazer. A Marta era muito adulta, muito responsável e aceitou esta nova situação de braços abertos e com grande optimismo. Nós achávamos que ela era muito nova para ter a responsabilidade de uma união e a responsabilidade de governar uma casa. Sabíamos que a mensalidade que lhe mandávamos não poderia ser muito aumentada e tínhamos receio que "as coisas" entre eles, não corressem bem. O Paulo teve alguns empregos e esforçou-se para que nada lhes faltasse, mas eu sei que algumas vezes a Marta se viu um pouco aflita para que o dinheiro chegasse até ao fim do mês. Para eles, o que importava era estarem juntos e  viverem o seu  grande amor, isso foi amplamente conseguido durante uns tempos, e eles foram muito felizes. A Marta foi feliz durante esses meses de vida em comum.


O ano de 1994 começara bem. Tudo corria dentro da normalidade.
                   No dia 2 de Janeiro de 94, a Marta escreve na sua agenda:
"2ºdia do ano de 94 com muito frio
Passei a Passagem do Ano em Tróia com o Paulo, a Patrícia e o Fernando, o namorado.
Passámos a passagem do ano muito bem, principalmente porque eu passei com a pessoa que amo e que quero sempre ao pé de mim.
No dia 1 de Janeiro 94, fomos almoçar ao Avelino, no Carvalhal;
comemos muito bem, comi choco frito que nunca tinha comido, e comi ameixão?  com caril que também estava óptimo.
No dia 1 à noite jogámos ao Pictionary Picante depois de um jantar feito por mim, pois eu trouxe umas coisas para " nos alimentarmos".
No dia 2 ou seja hoje, estou neste momento na praia com o Paulo, pois estamos à pesca, ainda não pescámos nada e está muito frio, eu estou gelada. Sendo o segundo dia do ano de 94, espero passar um ano mais quente que este dia."


No dia 21 de Janeiro de 1994, quando a Marta fez 20 anos, resolvi organizar uma grande festa de aniversário, para festejarmos os seus anos com toda a família. Convidei a Paula, mãe do Paulo e o marido, o Zé Maria, para que estivessem connosco e assim nos ficássemos a conhecer. Foi uma festa muito bonita. Todos estávamos muito bem dispostos e a Marta adorou aquele dia. Convivemos, brincámos e petiscámos como sempre acontece nas festas familiares. A Marta teve muitas prendas e recebeu muitos telefonemas de parabéns; estava muito feliz!...
O ano de 1994 foi pródigo em acontecimentos importantes para a felicidade da Marta.
Escreveu na Agenda:
                   "21 Jan. 94
 Fiz 20 anos, fui logo de manhã para casa da mãe do Paulo para estudar um   pouco porque o Paulo tinha de ir trabalhar. Depois a Paula chegou fomos comprar o almoço para fazer um almoço especial. O Zé Maria veio almoçar connosco, mas o Paulo não pode aparecer.
A Paula ofereceu-me uma caneta, uma camisola de lã e um soutien, tudo muito bonito, ela foi incrível comigo - não só pelas prendas mas pela companhia e atenção que teve comigo.
Depois fomos à casa dos avós do Paulo que foram muito simpáticos e ofereceram-me uma camisola de lã também muito bonita.
Ás 7.30m eu e o Paulo fomos ter com os meus pais e a Rita, fomos jantar à Churrasqueira, foi muito agradável.
Fui para casa, recebi as prendas dos meus pais e dormi, para no dia seguinte acordar cedo para preparar a festa.
A minha mãe preparou uma festa muito agradável.
A minha mãe teve imenso trabalho, fez imensa coisa, eu pedi-lhe para me fazer um bolo de anos em forma de coelho para recordar os velhos tempos.
Deram-me muitas prendas e gostei de todas, mas a minha avó Amélia deu-me uma prenda que eu nunca vou esquecer, ofereceu-me o fio de ouro dela, eu adorei não pelo fio, mas pela intenção,  ainda mais sendo o dela!"


No dia 14 de Abril a Marta escreve na sua agenda pessoal:

"Tenho uma grande novidade para dar, o Paulo  finalmente vai comprar um carro. É um comercial só de 2 lugares é um Ibiza CLX branco. Eu acho o carro muito bonito.
Ainda não nos entregaram o carro, mas estamos à espera há 15 dias, esperamos que seja para a semana.
A minha irmã vai comprar uma casa no Algarve, eu não sei muito bem como? mas os meus pais vão este fim-de-semana ao Algarve para verem a casa.
Eu e o Paulo  vamos a Lx. para irmos aos anos do Tiago no Sábado à noite e para ir jantar a casa dos avós do Paulo., para eu conhecer a tia e a prima do Paulo que estão em Inglaterra.
Bem agora vou ao médico."

O ANO DE 1995


1995

O mês de Janeiro de 1995 não trouxe nada de bom à Marta. No dia 6 de Janeiro ela escreve na agenda : " Fim!".
Nesse fim de semana, ela veio a casa e disse-nos que estava tudo acabado com o Paulo, vinha muito, muito triste. As grandes discussões havidas entre ambos deixaram-na completamente destroçada e vinha com a ideia errada de que a relação tinha falhado por sua culpa.
O Paulo culpabilizava-a pelo falhanço da união, quando todos nós sabíamos quanto esforço despendeu a Marta para que tudo corresse bem! Falámos com ela, procurámos dar-lhe o nosso total apoio, tivemos longas e longas conversas e no Domingo, quando a fomos levar ao autocarro, para Beja, já nos pareceu mais confiante no futuro e nas suas capacidades para resistir a tão grande golpe.
O primeiro passo a dar seria procurar um quarto, sair da casa onde ambos moravam,  para que se afastassem e ela não sofresse tanto, visto que o Paulo continuava na mesma casa. O sofrimento da Marta era enorme!... Estava em plena época de exames e não queria que estes fossem mais perturbados do que já tinham sido, ela tinha consciência de que precisava de estabilidade e tranquilidade para enfrentar os exames.
No dia 13 de Janeiro, fez a primeira frequência de Inglês e veio a casa passar o fim de semana. Continuava muito nervosa, tristíssima e nada a conseguia tirar daquela profundo desgosto. Conversámos muito. Ela sentia que tinha todo o nosso apoio, mas precisava de fazer a sua catarse para depois sair reforçada desta grande provação.
Naquela tarde de Domingo, a lareira estava acesa. A Marta sentada num dos  bancos de pele, junto ao lume, estava muito triste e pensativa. Resolveu ir buscar um cigarro, e disse-me em jeito de desculpa:
"Mãe, tenho que fumar um cigarro para acalmar!..."
 Era a primeira vez que eu via a Marta a fumar!
Soube, mais tarde, pela Rita e pelo Paulo, que a Marta fumava bastante, desde muito nova. Durante todo este tempo, ela conseguiu esconder-nos o hábito de fumar! O que mais me admira é que ela e a Rita nos reprovavam imenso quando eu e o pai fumávamos, sentiam-se muito incomodadas com o fumo!
Calculo o motivo por que a Marta escondia de mim o hábito de fumar, tem a ver com uma discussão que nós tivemos quando ela frequentava o 8º ano e era muito amiga da Clara.
Um dia, já ela estava deitada, pronta para dormir, precisei de uma esferográfica e como não encontrasse nenhuma, fui à sua pasta da escola buscar uma, aí encontrei um maço de cigarros e um isqueiro.
Fiquei desesperada! Ela era muito nova para começar a fumar! Perguntei-lhe se ela fumava e desde há quanto tempo? Disse-me que não, que os cigarros eram da Clara, que esta os deixava na mala dela, para que a mãe não soubesse. Depois de muito conversarmos sobre o vício do tabaco e outros vícios, fiquei mais descansada, mas não muito convencida!
No dia seguinte, perguntei à Clara de quem eram os cigarros e esta disse-me que eram dela, que os dava à Marta para guardar todos os dias, antes de ir para casa. Repeti à Clara toda a conversa sobre os malefícios do tabaco e acreditei nelas. A Marta nunca chegava a casa a cheirar a tabaco e por isso comecei a acreditar que a discussão tinha dado os seus frutos!
Afinal, como andei enganada estes anos todos! Nunca vi a Marta fumar, e algumas vezes conversávamos sobre os perigos do tabaco e ela concordava comigo. Este episódio vem confirmar uma característica do temperamento da Marta. Como me tinha dito que não fumava, escondeu-o sempre de mim, pois ela sabia que me estava a "omitir" uma coisa que me havia garantido não fazer.
Ela sabia que depois de crescida, podia dizer-me que fumava e que eu iria respeitar a sua decisão. Há certas atitudes do ser humano que nos deixam desconcertados, esta é uma delas! Porquê esconder um vício durante tantos anos?
Quando mostrei a minha indignação à sua amiga Patrícia Lança, dizendo que não percebia a razão da atitude da Marta, ela contou-me, que a Marta sempre me quis esconder que fumava. Então, todos os dias, quando regressava a casa vinda da escola, quando o comboio se começava a aproximar da estação de Massamá, ela seguia um autêntico ritual. Tinha uma bolsinha de pano para um penso higiénico, que eu lhe comprara, para usar na mala, para uma emergência. Aí, junto ao penso, colocava o maço de cigarros e o isqueiro. Trazia sempre um frasquinho de perfume, e colocava umas gotinhas atrás das orelhas e no pescoço. Depois metia na boca um bocadinho de pastilha elástica, para quando chegasse a casa ainda viesse a mastigar e depois chegava-se perto da Patrícia ou da Aires e perguntava-lhes: - “ Cheiro bem? Não cheiro a nada, pois não?” e  quando acabava de fazer tudo isto, o comboio parava na estação. Elas achavam imensa graça a tudo aquilo e fartavam-se de rir. Para elas era engraçadíssimo a atitude repetida e constante da Marta, que não havia um dia que não a realizasse!!!
Nessa tarde de Domingo no Janeiro de 1994, fomos levá-la ao autocarro a Lisboa e pareceu-nos um pouco mais animada. A semana decorreu normalmente e a Marta estava muito esperançada em ir morar com a colega Ana Ganhão, do mesmo  curso, de quem era muito amiga.
No Sábado próximo, dia 21de Janeiro de 1995 era o dia dos seus anos. Veio de Beja, na Sexta-feira, de autocarro para passar o dia de aniversário connosco.
A Rita veio do Algarve e a avó Amélia veio do Alentejo. Não tínhamos vontade de fazer  festa, pois todos sabíamos como a Marta estava infeliz e todos nos lembrávamos como tudo tinha sido tão diferente no ano anterior, quando completara os  20 anos!

Dia 21 de Jan 95


A Marta pediu-me que não fizesse nada para os anos dela. Estava muito triste e não lhe apetecia fingir que tudo estava bem. Pediu-me que não lhe fizesse bolo de aniversário, almoçámos e depois de almoço, apareceu a Sara, amiga da Rita. Estivemos todos a conversar sentados à lareira, a avó Amélia estava connosco e também ela sentiu como a Marta estava triste e desgostosa. Pusemos a mesa para o lanche, lanchámos e por volta das seis horas da tarde, telefonou o Zé Manuel Almeida dizendo-nos que o pai, o tio Zé Manuel, tinha dado entrada nas urgências do Hospital do Barreiro com um enfarte do miocárdio. Ficámos muito preocupados, pois a sua situação clínica parecia grave. Decidimos ir imediatamente para o Barreiro. A Marta , a Rita e a Sara foram para um café aqui perto de casa. Lembro-me de ter dito à Marta: "Oh, Marta, não vamos poder continuar o lanche dos teus anos, porque temos que ir fazer companhia à tia Maria José!... Além disso, temos ainda muitos anos para festejarmos os teus anos!..." . A Marta olhou-me com uns olhos muito tristes e disse-me:
" Não faz mal, nós vamos um bocado ao café e depois vimos para casa, não te preocupes!..."
Chegámos bastante tarde do Barreiro. A Marta e a Rita esperavam-nos sentadas no sofá da sala, muito juntinhas uma à outra. Sempre gostaram deste modo de  se sentarem, ou melhor, deitarem,  ficando aí “enroscadas” durante bastante tempo. Tinham ido buscar um filme de vídeo, tinham-no visto e agora conversavam uma com a outra.
Desde esse dia, a Rita nunca mais esteve com a Marta. Telefonaram-se durante os quinze dias que se seguiram, mas nunca mais se viram.
Durante a semana que passou, falei muitas vezes com a Marta. Estava combinado fazer-se a matança do porco, em Amareleja, no fim de semana, dia 28 Janeiro. Quando falávamos ao telefone, a Marta insistia comigo para que eu fosse com o pai à matança, pois ela também iria lá ter. Eu dizia-lhe que não ia pois não gostava de matanças e que sempre me fizera muita impressão ver tanta carne. A Marta voltava a insistir e eu voltava a dizer-lhe que não ia. Hoje, tenho pena  por não lhe ter feito a vontade, ainda ouço a sua voz ao telefone, muito meiga e doce, pedindo-me para que eu fosse.
Não fui. A Marta chegou sábado a Amareleja, vinha bem disposta e de boa saúde. Ajudou na matança, trabalhou imenso, e esteve sempre muito bem, com toda a sua genica e força.
O avô Vitalino também lá estava e a imagem, que guarda na sua memória, é a da Marta a correr pelo quintal fora, com os cabelos compridos levados pelo vento, para ir telefonar ao matanceiro, pois este estava a demorar-se. A Marta sempre foi uma pessoa muito activa, sempre pronta ajudar e a resolver as situações mais diversas que se  deparavam. Depois do jantar, fez um chá de limão para o avô Vitalino beber, pois este queixou-se que se sentia constipado e ela foi logo, muito resoluta, fazer-lhe um chá. Ajudou o Rodriguinho nos trabalhos da escola e brincou com o André, sempre teve muita paciência para brincar com os primos e adorava-os.
Falei-lhe nessa noite para a Amareleja, estava bem disposta e pensava ir na camioneta das oito horas da manhã, de Domingo,  para Beja, pois tinha que aproveitar para estudar e descansar um pouco.
                  
                   A semana de 30 de Janºa 3 de Fev.º

Costumo dizer que a minha ignorância em relação à medicina, fez com que eu não me apercebesse de como era grave o estado de saúde da Marta. Eu e todos aqueles que com ela conviveram durante os seus últimos cinco dias.
Na Segunda-feira, dia 30, a Marta levantou-se cedo, como de costume, e sentiu-se adoentada. A Escola ficava bastante longe da casa da Marta e como a manhã estava muito fria e ela não se sentia suficientemente forte para enfrentar os graus quase negativos dos Invernos de Beja, resolveu chamar um táxi  que a levasse à Escola.
À noite, quando lhe telefonámos,  contou-me que tinha ido de táxi, pois sentia-se um pouco doente. "Parece-me que vou ter gripe!... Vou ver se tenho febre"- disse-me.
 Desliguei o telefone e não me preocupei mais com a saúde da Marta. Era Inverno, estava muito frio e tudo indicava que era uma gripe ou constipação que ela ia ter.
Terça-feira, 31, à tarde, depois de vir das minhas aulas, telefonei à Marta para saber como se encontrava. Não estava melhor, contudo tinha ido às aulas na parte da manhã.. Quando me atendeu o telefone, vinha muito ofegante, e enquanto falava comigo, eu sentia que estava com dificuldades para  respirar. Perguntei-lhe se tinha vindo a correr para atender o telefone e disse-me que não. Que, às vezes, ficava assim com muita dificuldade em respirar. Fiquei muito preocupada. Disse-lhe para marcar consulta no médico o mais urgente possível, e ela concordou. Passado algum tempo, voltei a ligar-lhe e já tinha a respiração normal.
Quarta-feira, 1de Fevereiro, a Marta continuou a  assistir às aulas, os exames estavam marcados e precisava das aulas para se preparar.
Foi ao médico, Dr. Luís Capela, médico de Clínica Geral, a trabalhar nos SAMS, e deve ter lá chegado muito cansada e muito nervosa. Penso que a Marta se estava a dar conta de que estava realmente doente. Queixou-se ao médico que andava doente, com um grande cansaço, que se tinha zangado com o namorado e que andava muito "stressada" com as frequências, penso que deve ter descrito um quadro clínico com o seu habitual à vontade e optimismo. O médico diagnosticou ansiedade, arritmias e nervoso!. Fez-lhe logo ali um electrocardiograma que deu um descontrolo enorme, com 120 pulsações por minuto. Voltou a fazer-lhe outro, depois de ter conversado com a Marta, deve ter-lhe dito para ela se controlar e descontrair e segundo parece, este novo electrocardiograma já não apresentava  sinais de doença, (ambos os electrocardiogramas sumiram, após a morte da Marta!). A Marta saiu do consultório, já era noite, e quando chegou à rua, voltou a sentir-se muito mal, sem forças para ir para casa. Em vez de voltar para o consultório, pois deve ter achado que era tudo nervos! telefonou à Joaquina, companheira na mesma casa, para que a fosse buscar de carro, pois estava sem forças para ir para casa. Tudo estava contra a Marta, a sua grande força para vencer obstáculos, a sua  forte constituição física e a ignorância sobre a doença.
A Marta estava muito mal, mas ninguém se apercebeu disso!
Telefonei-lhe, já tinha ido comprar os medicamentos receitados pelo médico, sentia-se melhor. Sempre que eu lhe telefonava, ela dizia-me que se sentia melhor; penso que era sincera!
Disse-me que o médico a tinha mandado fazer uma radiografia ao tórax, e que lha tinham marcado para a próxima segunda-feira, dia 6. Então, eu disse-lhe que iria para Beja, no Sábado de manhã, passaríamos o fim-de-semana juntas, iríamos fazer a radiografia segunda-feira e depois vínhamos para Massamá, para aí aproveitar os oito dias de férias das frequências.
A Marta insistiu comigo para que eu não fosse, que não valia a pena eu ir e que estava bem sozinha. Eu insisti e ficou combinado que no Sábado de manhã eu chegaria a Beja.
Quinta-feira, dia 2 - Apesar de adoentada e de ter um pouco de febre, penso que nunca ultrapassou os 38º, a Marta continuava a ir às aulas e a estudar. Na aula de Inglês, sentiu-se mal, estava muito branca e quase a desmaiar e pediu à professora que a deixasse sair, para ir comprar uma garrafa de água. A  professora apercebeu-se que ela estava muito mal disposta e perguntou-lhe o que é que ela tinha. A Marta disse-lhe que andava doente e que se sentia muito nervosa, então a professora ofereceu-lhe um calmante, que a Marta tomou e passado pouco tempo já se sentia muito melhor. Todo este mal-estar dava-lhe a ideia errada de que o que tinha eram nervos!
Sexta-feira, 3 - A Marta levantou-se e foi para as aulas. Tinha aula com a Maria Albertina. A Maria viu-a com um aspecto muito abatido e doente e por isso combinaram ir almoçar juntas. Não sei onde almoçaram, sei apenas, que  a Marta comeu carapaus fritos com arroz de tomate e que teve muito prazer na refeição. Depois do almoço, foram a Ferreira do Alentejo ver as obras da casa dos pais da Maria e aí a Marta esteve sempre bem disposta. Subiu e desceu escadas e não manifestou grande cansaço. Pelas 16,30h, pediu à Maria que a fosse levar a casa, a Beja, pois precisava de estudar, e aí ficou o resto do dia.
A amiga Patrícia fazia 21 anos, no dia 3 de Fevereiro,  telefonou-lhe a dar-lhe os parabéns. Contou à Patrícia que andava doente, mas que agora se sentia melhor. Disse-lhe que estava à espera da minha visita e que a partir de 2ª feira já estaria em Massamá e que aí iriam encontrar-se.
À noite, telefonei-lhe a confirmar que chegaria a Beja cerca das 10h da manhã. Voltou a insistir comigo para que eu não fosse lá cansar-me pois ela estava mais ou menos bem disposta. Não concordei e ficou mais uma vez confirmado que eu iria. Foi a  última vez em que falámos. Eu estava tranquila, pois sentia pela  voz  da Marta que se sentia um pouco melhor.