1995
O
mês de Janeiro de 1995 não trouxe nada de bom à Marta. No dia 6 de Janeiro ela
escreve na agenda : " Fim!".
Nesse
fim de semana, ela veio a casa e disse-nos que estava tudo acabado com o Paulo,
vinha muito, muito triste. As grandes discussões havidas entre ambos
deixaram-na completamente destroçada e vinha com a ideia errada de que a
relação tinha falhado por sua culpa.
O
Paulo culpabilizava-a pelo falhanço da união, quando todos nós sabíamos quanto
esforço despendeu a Marta para que tudo corresse bem! Falámos com ela,
procurámos dar-lhe o nosso total apoio, tivemos longas e longas conversas e no
Domingo, quando a fomos levar ao autocarro, para Beja, já nos pareceu mais
confiante no futuro e nas suas capacidades para resistir a tão grande golpe.
O
primeiro passo a dar seria procurar um quarto, sair da casa onde ambos moravam,
para que se afastassem e ela não
sofresse tanto, visto que o Paulo continuava na mesma casa. O sofrimento da Marta
era enorme!... Estava em plena época de exames e não queria que estes fossem
mais perturbados do que já tinham sido, ela tinha consciência de que precisava
de estabilidade e tranquilidade para enfrentar os exames.
No
dia 13 de Janeiro, fez a primeira frequência de Inglês e veio a casa passar o
fim de semana. Continuava muito nervosa, tristíssima e nada a conseguia tirar
daquela profundo desgosto. Conversámos muito. Ela sentia que tinha todo o nosso
apoio, mas precisava de fazer a sua catarse para depois sair reforçada desta
grande provação.
Naquela tarde de Domingo, a lareira
estava acesa. A Marta sentada num dos bancos de pele, junto ao lume, estava muito triste
e pensativa. Resolveu ir buscar um cigarro, e disse-me em jeito de desculpa:
"Mãe, tenho que fumar um cigarro para acalmar!..."
Era a primeira vez que eu via a Marta a fumar!
Soube,
mais tarde, pela Rita e pelo Paulo, que a Marta fumava bastante, desde muito
nova. Durante todo este tempo, ela conseguiu esconder-nos o hábito de fumar! O
que mais me admira é que ela e a Rita nos reprovavam imenso quando eu e o pai
fumávamos, sentiam-se muito incomodadas com o fumo!
Calculo
o motivo por que a Marta escondia de mim o hábito de fumar, tem a ver com uma
discussão que nós tivemos quando ela frequentava o 8º ano e era muito amiga da
Clara.
Um
dia, já ela estava deitada, pronta para dormir, precisei de uma esferográfica e
como não encontrasse nenhuma, fui à sua pasta da escola buscar uma, aí
encontrei um maço de cigarros e um isqueiro.
Fiquei
desesperada! Ela era muito nova para começar a fumar! Perguntei-lhe se ela
fumava e desde há quanto tempo? Disse-me que não, que os cigarros eram da
Clara, que esta os deixava na mala dela, para que a mãe não soubesse. Depois de
muito conversarmos sobre o vício do tabaco e outros vícios, fiquei mais
descansada, mas não muito convencida!
No
dia seguinte, perguntei à Clara de quem eram os cigarros e esta disse-me que
eram dela, que os dava à Marta para guardar todos os dias, antes de ir para
casa. Repeti à Clara toda a conversa sobre os malefícios do tabaco e acreditei
nelas. A Marta nunca chegava a casa a cheirar a tabaco e por isso comecei a
acreditar que a discussão tinha dado os seus frutos!
Afinal,
como andei enganada estes anos todos! Nunca vi a Marta fumar, e algumas vezes
conversávamos sobre os perigos do tabaco e ela concordava comigo. Este episódio
vem confirmar uma característica do temperamento da Marta. Como me tinha dito
que não fumava, escondeu-o sempre de mim, pois ela sabia que me estava a
"omitir" uma coisa que me havia garantido não fazer.
Ela
sabia que depois de crescida, podia dizer-me que fumava e que eu iria respeitar
a sua decisão. Há certas atitudes do ser humano que nos deixam desconcertados,
esta é uma delas! Porquê esconder um vício durante tantos anos?
Quando
mostrei a minha indignação à sua amiga Patrícia Lança, dizendo que não percebia
a razão da atitude da Marta, ela contou-me, que a Marta sempre me quis esconder
que fumava. Então, todos os dias, quando regressava a casa vinda da escola, quando
o comboio se começava a aproximar da estação de Massamá, ela seguia um
autêntico ritual. Tinha uma bolsinha de pano para um penso higiénico, que eu
lhe comprara, para usar na mala, para uma emergência. Aí, junto ao penso,
colocava o maço de cigarros e o isqueiro. Trazia sempre um frasquinho de
perfume, e colocava umas gotinhas atrás das orelhas e no pescoço. Depois metia
na boca um bocadinho de pastilha elástica, para quando chegasse a casa ainda
viesse a mastigar e depois chegava-se perto da Patrícia ou da Aires e
perguntava-lhes: - “ Cheiro bem? Não
cheiro a nada, pois não?” e quando
acabava de fazer tudo isto, o comboio parava na estação. Elas achavam imensa
graça a tudo aquilo e fartavam-se de rir. Para elas era engraçadíssimo a
atitude repetida e constante da Marta, que não havia um dia que não a
realizasse!!!
Nessa
tarde de Domingo no Janeiro de 1994, fomos levá-la ao autocarro a Lisboa e
pareceu-nos um pouco mais animada. A semana decorreu normalmente e a Marta
estava muito esperançada em ir morar com a colega Ana Ganhão, do mesmo curso, de quem era muito amiga.
No
Sábado próximo, dia 21de Janeiro de 1995 era o dia dos seus anos. Veio de Beja,
na Sexta-feira, de autocarro para passar o dia de aniversário connosco.
A
Rita veio do Algarve e a avó Amélia veio do Alentejo. Não tínhamos vontade de
fazer festa, pois todos sabíamos como a
Marta estava infeliz e todos nos lembrávamos como tudo tinha sido tão diferente
no ano anterior, quando completara os 20
anos!
Dia 21 de Jan 95
A
Marta pediu-me que não fizesse nada para os anos dela. Estava muito triste e
não lhe apetecia fingir que tudo estava bem. Pediu-me que não lhe fizesse bolo
de aniversário, almoçámos e depois de almoço, apareceu a Sara, amiga da Rita.
Estivemos todos a conversar sentados à lareira, a avó Amélia estava connosco e
também ela sentiu como a Marta estava triste e desgostosa. Pusemos a mesa para
o lanche, lanchámos e por volta das seis horas da tarde, telefonou o Zé Manuel
Almeida dizendo-nos que o pai, o tio Zé Manuel, tinha dado entrada nas
urgências do Hospital do Barreiro com um enfarte do miocárdio. Ficámos muito
preocupados, pois a sua situação clínica parecia grave. Decidimos ir
imediatamente para o Barreiro. A Marta , a Rita e a Sara foram para um café
aqui perto de casa. Lembro-me de ter dito à Marta: "Oh, Marta, não vamos poder continuar o lanche dos teus anos,
porque temos que ir fazer companhia à tia Maria José!... Além disso, temos ainda muitos anos para festejarmos os
teus anos!..." . A Marta
olhou-me com uns olhos muito tristes e disse-me:
" Não faz mal, nós vamos um
bocado ao café e depois vimos para casa, não te preocupes!..."
Chegámos bastante tarde do Barreiro.
A Marta e a Rita esperavam-nos sentadas no sofá da sala, muito juntinhas uma à
outra. Sempre gostaram deste modo de se
sentarem, ou melhor, deitarem, ficando
aí “enroscadas” durante bastante tempo. Tinham ido buscar um filme de vídeo,
tinham-no visto e agora conversavam uma com a outra.
Desde
esse dia, a Rita nunca mais esteve com a Marta. Telefonaram-se durante os
quinze dias que se seguiram, mas nunca mais se viram.
Durante
a semana que passou, falei muitas vezes com a Marta. Estava combinado fazer-se
a matança do porco, em Amareleja, no fim de semana, dia 28 Janeiro. Quando
falávamos ao telefone, a Marta insistia comigo para que eu fosse com o pai à
matança, pois ela também iria lá ter. Eu dizia-lhe que não ia pois não gostava
de matanças e que sempre me fizera muita impressão ver tanta carne. A Marta
voltava a insistir e eu voltava a dizer-lhe que não ia. Hoje, tenho pena por não lhe ter feito a vontade, ainda ouço a
sua voz ao telefone, muito meiga e doce, pedindo-me para que eu fosse.
Não
fui. A Marta chegou sábado a Amareleja, vinha bem disposta e de boa saúde.
Ajudou na matança, trabalhou imenso, e esteve sempre muito bem, com toda a sua
genica e força.
O
avô Vitalino também lá estava e a imagem, que guarda na sua memória, é a da
Marta a correr pelo quintal fora, com os cabelos compridos levados pelo vento,
para ir telefonar ao matanceiro, pois este estava a demorar-se. A Marta sempre
foi uma pessoa muito activa, sempre pronta ajudar e a resolver as situações
mais diversas que se deparavam. Depois
do jantar, fez um chá de limão para o avô Vitalino beber, pois este queixou-se
que se sentia constipado e ela foi logo, muito resoluta, fazer-lhe um chá. Ajudou
o Rodriguinho nos trabalhos da escola e brincou com o André, sempre teve muita
paciência para brincar com os primos e adorava-os.
Falei-lhe nessa noite para a
Amareleja, estava bem disposta e pensava ir na camioneta das oito horas da
manhã, de Domingo, para Beja, pois tinha
que aproveitar para estudar e descansar um pouco.
A semana de 30 de Janºa 3 de
Fev.º
Costumo
dizer que a minha ignorância em relação à medicina, fez com que eu não me
apercebesse de como era grave o estado de saúde da Marta. Eu e todos aqueles que
com ela conviveram durante os seus últimos cinco dias.
Na
Segunda-feira, dia 30, a Marta levantou-se cedo, como de costume, e sentiu-se
adoentada. A Escola ficava bastante longe da casa da Marta e como a manhã estava
muito fria e ela não se sentia suficientemente forte para enfrentar os graus
quase negativos dos Invernos de Beja, resolveu chamar um táxi que a levasse à Escola.
À noite, quando lhe
telefonámos, contou-me que tinha ido de
táxi, pois sentia-se um pouco doente.
"Parece-me que vou ter gripe!... Vou ver se tenho febre"-
disse-me.
Desliguei o telefone e
não me preocupei mais com a saúde da Marta. Era Inverno, estava muito frio e
tudo indicava que era uma gripe ou constipação que ela ia ter.
Terça-feira, 31, à
tarde, depois de vir das minhas aulas, telefonei à Marta para saber como se
encontrava. Não estava melhor, contudo tinha ido às aulas na parte da manhã..
Quando me atendeu o telefone, vinha muito ofegante, e enquanto falava comigo,
eu sentia que estava com dificuldades para
respirar. Perguntei-lhe se tinha vindo a correr para atender o telefone
e disse-me que não. Que, às vezes, ficava assim com muita dificuldade em
respirar. Fiquei muito preocupada. Disse-lhe para marcar consulta no médico o
mais urgente possível, e ela concordou. Passado algum tempo, voltei a ligar-lhe
e já tinha a respiração normal.
Quarta-feira,
1de Fevereiro, a Marta continuou a
assistir às aulas, os exames estavam marcados e precisava das aulas para
se preparar.
Foi
ao médico, Dr. Luís Capela, médico de Clínica Geral, a trabalhar nos SAMS, e
deve ter lá chegado muito cansada e muito nervosa. Penso que a Marta se estava
a dar conta de que estava realmente doente. Queixou-se ao médico que andava
doente, com um grande cansaço, que se tinha zangado com o namorado e que andava
muito "stressada" com as frequências, penso que deve ter descrito um
quadro clínico com o seu habitual à vontade e optimismo. O médico diagnosticou
ansiedade, arritmias e nervoso!. Fez-lhe logo ali um electrocardiograma que deu
um descontrolo enorme, com 120 pulsações por minuto. Voltou a fazer-lhe outro,
depois de ter conversado com a Marta, deve ter-lhe dito para ela se controlar e
descontrair e segundo parece, este novo electrocardiograma já não
apresentava sinais de doença, (ambos os
electrocardiogramas sumiram, após a morte da Marta!). A Marta saiu do
consultório, já era noite, e quando chegou à rua, voltou a sentir-se muito mal,
sem forças para ir para casa. Em vez de voltar para o consultório, pois deve
ter achado que era tudo nervos! telefonou à Joaquina, companheira na mesma
casa, para que a fosse buscar de carro, pois estava sem forças para ir para
casa. Tudo estava contra a Marta, a sua grande força para vencer obstáculos, a
sua forte constituição física e a
ignorância sobre a doença.
A
Marta estava muito mal, mas ninguém se apercebeu disso!
Telefonei-lhe,
já tinha ido comprar os medicamentos receitados pelo médico, sentia-se melhor.
Sempre que eu lhe telefonava, ela dizia-me que se sentia melhor; penso que era
sincera!
Disse-me
que o médico a tinha mandado fazer uma radiografia ao tórax, e que lha tinham
marcado para a próxima segunda-feira, dia 6. Então, eu disse-lhe que iria para
Beja, no Sábado de manhã, passaríamos o fim-de-semana juntas, iríamos fazer a
radiografia segunda-feira e depois vínhamos para Massamá, para aí aproveitar os
oito dias de férias das frequências.
A
Marta insistiu comigo para que eu não fosse, que não valia a pena eu ir e que
estava bem sozinha. Eu insisti e ficou combinado que no Sábado de manhã eu
chegaria a Beja.
Quinta-feira, dia 2 - Apesar de
adoentada e de ter um pouco de febre, penso que nunca ultrapassou os 38º, a
Marta continuava a ir às aulas e a estudar. Na aula de Inglês, sentiu-se mal,
estava muito branca e quase a desmaiar e pediu à professora que a deixasse
sair, para ir comprar uma garrafa de água. A
professora apercebeu-se que ela estava muito mal disposta e
perguntou-lhe o que é que ela tinha. A Marta disse-lhe que andava doente e que
se sentia muito nervosa, então a professora ofereceu-lhe um calmante, que a
Marta tomou e passado pouco tempo já se sentia muito melhor. Todo este
mal-estar dava-lhe a ideia errada de que o que tinha eram nervos!
Sexta-feira, 3 - A Marta levantou-se e
foi para as aulas. Tinha aula com a Maria Albertina. A Maria viu-a com um
aspecto muito abatido e doente e por isso combinaram ir almoçar juntas. Não sei
onde almoçaram, sei apenas, que a Marta
comeu carapaus fritos com arroz de tomate e que teve muito prazer na refeição.
Depois do almoço, foram a Ferreira do Alentejo ver as obras da casa dos pais da
Maria e aí a Marta esteve sempre bem disposta. Subiu e desceu escadas e não
manifestou grande cansaço. Pelas 16,30h, pediu à Maria que a fosse levar a
casa, a Beja, pois precisava de estudar, e aí ficou o resto do dia.
A
amiga Patrícia fazia 21 anos, no dia 3 de Fevereiro, telefonou-lhe a dar-lhe os parabéns. Contou à
Patrícia que andava doente, mas que agora se sentia melhor. Disse-lhe que
estava à espera da minha visita e que a partir de 2ª feira já estaria em
Massamá e que aí iriam encontrar-se.
À
noite, telefonei-lhe a confirmar que chegaria a Beja cerca das 10h da manhã.
Voltou a insistir comigo para que eu não fosse lá cansar-me pois ela estava
mais ou menos bem disposta. Não concordei e ficou mais uma vez confirmado que
eu iria. Foi a última vez em que
falámos. Eu estava tranquila, pois sentia pela
voz da Marta que se sentia um
pouco melhor.
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