MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

4 FEVEREIRO 1995 - DIA FATIDICO

Sábado, dia 4 - dia fatídico!

Eu e o Zé levantámo-nos cerca das 7 horas da manhã. Tínhamos combinado com o Tó, irmão da Vina, sairmos de Massamá, bastante cedo, em direcção a Beja. O Tó e o Zé iriam deixar-me a Beja e eles depois seguiam caminho para Amareleja, para irem engarrafar o vinho novo. A manhã estava muito calma e tranquila. Um sol de Inverno iluminava os campos dando-lhes uma serenidade que se transmitia a nós. Estávamos muito bem-dispostos. Havia muito pouco trânsito e os dois carros seguiram sempre próximos um do outro. Parámos no Restaurante A Chaminé, ponto de paragem obrigatório para os viajantes daquelas paragens, bebemos café, apreciámos o sol esplendoroso daquela manhã fria de Fevereiro e retomámos a nossa marcha até Beja. O Tó aproveitou para filmar o recinto do restaurante e a paisagem circundante. Fizemos mais uma hora de caminho e lá estava Beja, com a sua majestosa torre de Menagem e o seu casario branco. Dirigimo-nos através das ruas adormecidas de Beja, para a casa da Marta. Eram 10,30h da manhã. Saímos dos carros, o Tó começou a filmar-me enquanto eu me dirigia para a porta do prédio e tocava à campainha. Aguardei um pouquinho e ouvi a voz ensonada da Marta no intercomunicador:
" Quem é?.... sim...." .
Então eu disse-lhe: " Marta é a mãe, não precisas de descer porque só trago dois sacos!..."
A Marta respondeu-me: "Sim , mãe!"
Voltei a correr para o carro, o Tó conversava com o Zé e filmava. Peguei nos sacos e dispusemo-nos a entrar no prédio. A porta não se abria. Voltei a tocar para a Marta. A campainha tocava, tocava e ela não me respondia, comecei a inquietar-me, mas ao mesmo tempo pensava que talvez ela estivesse na casa de banho. Aqueles segundos pareceram-me horas. Porque é que ela não abre a porta? O que se passa? Perguntava eu ao Zé e ao Tó. Coloquei o dedo na campainha e já bastante assustada não parei de tocar, o meu coração estava apertadíssimo!
O Paulo que dormia no outro quarto, acordou com o toque insistente da campainha e levantou-se. Encontrou a Marta caída em cima do sofá, mesmo à entrada da sala. Abriu-nos a porta, pegou na Marta, sentou-a no seu colo e procurou reanimá-la, baixando-lhe a cabeça. Quando chegámos lá acima, já ia com um mau pressentimento. Entrámos e o Paulo disse-me: "A Marta teve uma quebra de tensão e desmaiou!..." . Cheguei-me ao pé dela, tirei-lhe os cabelos lisos e compridos que lhe escondiam todo o rosto e vi a Marta, com uma expressão terrível, com os olhos vidrados e sem vida, os lábios roxos e uma cor de cadáver. Fiquei assustadíssima! Aquilo não era tensão baixa, o que seria?!...
Deitámo-la no sofá e com o meu desespero de mãe, procurei fazer-lhe desajeitadamente uma  massagem cardíaca com ambas as mãos e a Marta começou a gemer e  a deitar espuma pela boca!... Que desespero! Que momentos tão aflitivos! Peço ao Paulo que chame uma ambulância, com a máxima urgência. A Marta está muito mal. A Marta está muito mal. O Zé e o Tó olhavam atónitos toda a cena. Não me lembro se procuraram ajudar-me, eu chamava a Marta para que ela reanimasse. Os bombeiros apareceram. Não vinha nenhum médico de urgências. Vinha o motorista da ambulância e um rapaz de 18 ou 20 anos sem qualquer preparação. Precisávamos de levar a Marta o mais rápido possível para o hospital. Não houve gritos, não houve barulho. Ninguém teve tempo de se manifestar. Penso que os vizinhos do prédio não se aperceberam do drama terrível que estava a acontecer no 2º andar Esquerdo. Acompanhei a Marta na ambulância. Havia uma máscara de oxigénio que o rapaz procurava pôr na boca da Marta, sem qualquer convicção, a Marta espumava da boca e gemia. Os solavancos da ambulância faziam-me andar aos tombos, parecia-me que iam devagar de mais. Dirigi-me ao motorista e pedi-lhe para irmos mais depressa: "Por favor, vamos mais depressa, a minha filha está muito mal!..."
O homem, mal humorado disse-me: " Não posso ir mais depressa por causa do trânsito!..."
 Mas ouviu o meu pedido, ligou a sirene e com toda a força lá fomos a caminho do hospital.
A Marta deu entrada na sala dos cuidados intensivos do Hospital de Beja, eram cerca das 11,30 horas.
Dispusemo-nos a esperar. Esperar era só o que podíamos fazer. Olhávamos uns para os outros sem encontrarmos resposta às nossas interrogações. A partir do momento em que a Marta entrou nos cuidados intensivos, eu fiquei mais descansada, um pouco mais tranquila. Nunca chorei.
Esperava a todo o momento a chegada do médico dizendo-me que a Marta já tinha reagido e estava bem. " A Marta era a mais saudável, a mais forte, a mais corajosa, nada de mau iria acontecer-lhe! " - pensava eu. E dizia-o ao Zé, ao Tó e ao Paulo. Não nos atrevíamos a fazer quaisquer prognósticos. Nada sabíamos nada do que estava a acontecer, lá dentro, naquela sala onde entrara a Marta.
Começámos a achar que o tempo tinha parado. Ninguém nos vinha dizer nada, ninguém se nos dirigia. Ao fim de bastante tempo, o médico mandou-nos chamar, a mim e ao Zé, e disse-nos que a Marta estava muito mal, que não reagia aos tratamentos e que estavam sem esperanças de a salvar. Deixaram-nos ficar no gabinete ao lado da sala onde estava a Marta. Aí comecei a perceber que a situação era gravíssima. Ninguém, nem médicos nem nós, sabia dentro daquele hospital qual a doença que vitimava a Marta. Propus levarmos a Marta de helicóptero para Lisboa, disseram-me que não valia de nada. Penso que nesse momento a Marta já estaria morta.
O médico de serviço disse-me que por duas vezes a Marta reagiu aos tratamentos, mas por breves segundos, e que ainda conseguiu dizer que tinha uma dor muito forte no pulmão. Na sala ao lado eu ouvia os médicos a chamarem-na, gritando o seu nome "Marta! ... Marta!..." , mas a Marta já não reagia a esses chamamentos.
Uma enfermeira veio ter comigo e disse: - " Se acredita em Deus, reze, só um milagre pode salvar a sua filha!..." Agradeci-lhe, mas não encontrei palavras para rezar a Deus! Ele tão poderoso, consente que uma jovem, linda, boa, meiga, sem vícios, que adorava viver e adorava a vida, morra ?!
Não encontro palavras para Lhe dirigir. Viro-me para a parede da sala onde está a Marta e com as mãos na ombreira da porta fechada, falo-lhe muito baixinho e digo-lhe: "Marta, eu estou aqui, eu estou a dar-te a minha força, Marta a mãe está aqui, por favor não partas!... e repito, com toda a minha convicção: "Força Marta, Força.... Força....Marta… Força!!" . Sinto-me impotente. Sinto que a Marta se me escapa. Sinto que ela está morta. Não choro alto, não grito, não tenho nada para dizer ou fazer. Estou vazia, parada, em choque.
Vêm perguntar-me se quero um calmante, tomo-o e aguardo que venham ter comigo. Estou de mãos dadas com o Zé. Precisamos da força de ambos para aguentarmos este momento tão terrível. Não falamos. Esperamos. Há um grande silêncio à nossa volta. O Paulo vem até junto de nós. Ficamos todos juntos no corredor. A porta abre-se e o médico diz-nos :- " A Marta está morta! Não podemos fazer mais nada. Podem entrar!..."
Eu estou atónita, eu não quero ouvir aquelas palavras horríveis, olhamo-nos incrédulos e de repente o Paulo transborda toda a sua raiva, dá um murro enorme na porta da frente, que fica com um buraco enorme e sai a correr do hospital. Ainda corro atrás dele, mas como ele sai para a rua, fico ali, digo ao Tó que a Marta morreu e que vá dar apoio e assistência ao Paulo que está completamente desnorteado. Volto de imediato para dentro e entro na sala onde está o corpo nu, lindo da Marta. Tudo nos parece irreal, tudo nos parece uma mentira. Choro. O Zé chora a meu lado. Há médicos e enfermeiros na sala e todos choram a Marta. Olho incrédula. Vêm ter comigo para me consolar. Eu pergunto-lhes se têm a certeza de que a Marta está morta? abanam a cabeça a confirmar. Aproximo-me da Marta, está gelada, está nua e o seu corpo esbelto de jovem de 21 anos jaz ali. Mexo-lhe, massajo-a, seguro-lhe nas mãos habilidosas e bonitas, beijo-a e não percebo o que estou ali a fazer. Quero acreditar no que me disseram, "A Marta está morta", mas não consigo acreditar, no meu cérebro tudo está em turbilhão. Perco a noção do tempo. Estamos ali há muito pouco tempo. Não há nada que eu possa fazer ali. Olhamos, vieram com um lençol verde, e tampam-na. Eu e o Zé mexemos na nossa filha tapada com um lençol verde. Ao fim de algum tempo, dizem-me que a Marta tem que ser levada dali. Para onde?!Pergunto. Respondem-me secamente: - Para a Morgue!
Que momentos terríveis estamos a viver! a realidade é tão brutal, que nos parece um pesadelo. Levam a Marta. Vejo-a a ser levada. Vai numa maca empurrada por um maqueiro. Ficamos sós. Olham-nos. Olhamo-nos vazios. Há muita pena nos olhos das pessoas. Olhamos sem ver. Precisamos de sair dali, daquele pesadelo!
São 14horas da tarde! Cá fora, sentimo-nos perdidos. Como podemos deixar que a nossa filha morresse dentro daquele hospital?! Como??? Quando ali entrei eu tinha tantas esperanças! Três horas foram suficientes para destruírem uma família. A Marta partiu, para sempre. O Sol encandeia-nos. A tarde soalheira de Inverno está amena e tranquila. Como a Marta gostava dos dias de Sol. Nunca mais verá o Sol, as árvores, os pássaros.
Dirigimo-nos para o carro, entramos, fechamos as portas e ficamos parados, somos autómatos! Precisamos de sair dali, mas uma força misteriosa obriga-nos a ficar. Vamo-nos embora sem a nossa filha? Como pode isso acontecer?
Partimos daquele local tão cruel.
Vamos para a casa da Marta, não temos outro sítio para onde ir. Ali tudo nos lembra a Marta. Choramos, choramos muito. Olhamos a casa. O quarto, com a cama ainda com a marca do seu corpo. As suas coisas, os seus livros, o seu cheiro reinam por toda a casa.
A cama está aberta como ela a deixou, quando saiu da cama a correr para me abrir a porta, a mim e à morte! No parapeito da janela há um copo de iogurte vazio, com uma colher e meia banana que a Marta comeu ao deitar.
Ao lado, na mesa redonda estava o dossier aberto, com apontamentos e a esferográfica em cima, indicando que o sono fora mais forte e que o estudo ficara em meio.
Vamos conseguir resistir a tão grande desgosto? Precisamos de avisar a família e os amigos. É importante que eles saibam o que se está a passar.


Tribunal Judicial da Comarca de Beja
Serviço do Ministério Público

Conc 9-5-95

Resulta dos autos que no dia 4 de Fevereiro de 1995 Marta Varela Andrade Rodrigues Baleiro, (id- fl. 2), faleceu no Hospital Distrital de Beja, tendo sido comunicada a sua morte por este hospital - fls. 10 a 12 e 2.
Efectivada a autópsia resulta que a causa da sua morte se ficou a dever a edema pulmonar, conforme relatório de autópsia de fls. 6.
Foi efectuada recolha de vísceras para realização de exames toxicológicos, tendo os mesmos resultado negativos - fls. 16.
Aprovado que se mostra a causa da morte não resulta dos autos qualquer outra diligência útil a realizar no seu âmbito atendendo ao facto de que a sua morte se fica a dever ao referido edema pulmonar e não haver quaisquer suspeitas mínimas de crime relacionado com a mesma.
Nesta conformidade, declaro encerrado o presente inquérito e determino o seu arquivamento, nos termos do disposto no artº 2777, nº1 do C.P.P.
Cumpra-se o artº277ª, nº3, C.P.P. na pessoa do pai da falecida - fls.13

Assinatura ilegível

2 comentários:

  1. Mãe...
    acabei agora de ler estes textos. não tenho muitas palavras. acho que com a leitura vivi tudo novamente. mas fazes bem: estás a ajudar outros pais que sofreram e sofrem como tu. a nossa Marta é linda e será sempre jovem e linda. um dia vamos vê-la novamente. eu acredito. não fiques triste, Mãe. um dia vamo-nos encontrar.
    p.s. só a Mãe e a Marta merecem a maiúscula...

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  2. Zuzu estive a ler as suas palavras e não tinha de todo ideia o tão rápido que as coisas se passaram...
    Como é que é possível uma pessoa, tão viva que a Marta era, deixar-se vencer assim por uma doença tão subita.
    Mas nada pode fazer e agora resta-lhe apenas, como diz, ajudar outros que, infelizmente possam passar pelo mesmo.
    E é uma grande coragem porque muitos nem querem voltar a lembrar...
    Força para continuar e eu vou acompanhar.
    A Marta era uma pessoa tão querida que não consegue deixar indiferente quem a conhecia e a força com que sempre lutou por tudo o que ambicionava. Mas a doença foi mais forte e as forças faltaram-lhe quando ela mais precisava.
    Fica agora a eterna lembrança.
    Um beijo grande

    Olga

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