MARTA

MARTA
O ADEUS PRECOCE DA MINHA ESTRELA MAIOR

domingo, 30 de janeiro de 2011

A MARTA EM BEJA

ESCOLA SUPERIOR AGRÁRIA DE BEJA

Após ter feito os exames das provas específicas, a Marta conseguiu uma nota bastante boa, o que lhe deu a possibilidade de ingressar na Escola Superior Agrária de Santarém, o que não estava nos  planos, pois já tinha combinado com o Paulo ir estudar para Beja, e ele arranjava lá um emprego. Então, ficou muito aborrecida por ter ficado em Santarém; nós tentámos convencê-la ficar em Santarém, visto que era uma Escola com maior prestígio e que ficava muito mais perto de Massamá.
 Ainda foi com a Aires a Santarém matricular-se e arranjar quarto. Mas no mesmo dia em que se matriculou, preencheu um documento de permuta, para ir para a Escola Agrária de Beja. Apesar de estar contente por ter entrado na Escola Superior, andava muito decepcionada, pois tinha tudo "programado" para ir para Beja, onde já se encontrava o Paulo e a colocação em Santarém vinha obrigá-la a mudar os planos.
Durante estes dias, tentámos convencê-la, mas deixámos que fosse ela a decidir.
Passado alguns dias, veio a autorização do Ministério da Educação para que se fosse matricular em Beja. A Marta ficou felicíssima. Logo no dia seguinte, foi no primeiro autocarro para Beja, afim de fazer a matrícula e procurar alojamento.
Era o sonho da Marta que começava a concretizar-se.
No fim-de-semana seguinte, fomos procurar quarto. Procurei a casa da mãe da Lúcia, onde estavam hospedadas jovens estudantes, mas a Marta não lhe agradou ficar ali, pois teria que partilhar o quarto com outra colega e ela queria um quarto só para ela. Vimos mais uma casa ou duas, mas as senhorias queriam alugar um quarto para duas raparigas, o que desagradava profundamente à Marta. A Marta ficou no quarto de uma amiga durante uma noite e no dia seguinte, já sozinha com a Aires calcorrearam Beja de ponta a ponta, para encontrarem um quarto individual. Finalmente alugaram um "quarto"  para cada uma, na Rua Tenente Sanches de Miranda, nº11,em Beja.
O senhorio adaptara umas arrecadações no fundo do quintal a "quartos". O "quarto" era muito pequeno, muito frio e húmido. O tecto era de telha vã, onde colocaram uma placa de contraplacado para tapar as telhas, mas o vento, a chuva e o frio entravam através do forro. A cama estava encostada à parede húmida e uma alcatifa no chão procurava tapar o cimento que havia por baixo, tinha uma janela velha e uma porta com frestas da largura de dois dedos, por onde entravam o vento e a chuva. A casa de banho, a cozinha, uma pequena sala de convívio e outros quartos para duas raparigas ficavam na casa principal, no outro extremo do pátio. A Marta estava muito contente por ter encontrado finalmente um quarto só para ela!
No fim-de-semana, fomos levar-lhe tudo o que ela precisava para ali viver. Roupas da cama, toalhas, cobertores, televisão, louças, livros e alguns objectos pessoais. Arrumámos-lhe o "quarto" o melhor que pudemos, procurámos torná-lo confortável, mas na verdade, eu saí dali muito angustiada, pois o quarto não tinha quaisquer condições de habitabilidade. Eu conhecia o clima frio e agreste do Baixo Alentejo e a cidade de Beja é conhecida pelos Invernos muito rigorosos. Eu estava preocupada. Sabia que a Marta se tinha precipitado com o aluguer daquele "quarto" e conhecia a Marta para saber que ela se iria sujeitar àquelas condições, pois não queria partilhar o quarto com mais ninguém.
Cheguei a Massamá, comecei a fazer um cortinado feito com um cobertor para pôr na porta e um outro cortinado para a janela, talvez os cortinados atenuassem um pouco o frio intenso das noites gélidas!... O Inverno de 1992 foi um dos mais rigorosos dos últimos anos, chuvas torrenciais inundaram o "quarto", mais do que uma vez e este continuava frio, desconfortável e a cheirar a mofo. Quando me deitava no meu quarto quente e confortável da nossa casa de Massamá, pensava nas condições em que a Marta se encontrava e isso preocupava-me e angustiava-me  imenso.
No quintal da casa, havia quatro ou cinco quartos, todos iguais ao da Marta, dentro da casa, havia mais três ou quatro quartos, logo estavam ali alojadas doze ou treze  raparigas. A casa de banho e a cozinha ficavam na casa principal, e era só uma casa de banho e uma cozinha para todas as raparigas.
No dia em que lá fomos, havia imensa louça suja no lava-louças, pois todas iam pondo louça empilhada, até que a Marta, que detestava ver desarrumação e tanta louça por lavar, arregaçava as mangas e lavava toda a louçaria!... eu chamei-a a atenção para que não o fizesse, pois estava a ser explorada pelas outras raparigas, mas sei que muitas vezes o deve ter feito! Tudo isto, fez com que eu não me entusiasmasse nada e a minha expressão de desagrado foi notada pela Marta. Ela sabia que eu tinha razão em estar preocupada, pois a casa não tinha condições para tanta gente  morar  ali, pois faltava o ambiente calmo e confortável necessário ao estudo.
 Eu temia que as condições do quarto lhe trouxessem problemas de saúde e ao mesmo tempo receava que os estudos fossem prejudicados com toda esta agitação.
Penso que a Marta também se apercebeu das poucas condições da casa, mas ao mesmo tempo não queria deixar aquela casa onde estava à sua vontade e onde não havia ninguém a controlá-las e a aborrecê-las com exigências.
A Marta depressa fez amizade com as restantes raparigas da casa. Sentia-se bem com o convívio alegre e descontraído que ali viviam e para me "animar" dizia-me que o quarto estava mais confortável, depois da colocação dos cortinados e que adorava estar ali. Eu não a queria estar constantemente a “massacrar” com a mesma conversa, pois eu sentia que ela tinha que ser responsável pelos seus actos e pela sua vida. A primeira carta que recebemos da Marta, não me tranquilizou.

"Queridos Pais
Espero que esteja tudo bem por aí.
Por cá está tudo bem.
Ando é um pouco cansada porque a escola é muito longe, mas é uma questão de hábito.
Na Segunda-feira aconteceu-me uma coisa engraçada, enganei-me na sala e fui para outra turma. No horário estava laboratório 1 ou sala 2 , eu vi gente na sala 2 e como não sabia a minha turma, entrei, assinei a folha de presenças e assisti durante 2h , de repente eu percebi que não era a disciplina certa, mas como eu ainda não sei bem o que cada disciplina consta, não me apercebi. A minha sorte é que não tive aula, senão tinha falta. Disse à professora e saí, todos se riram e eu e a Aires saímos muito envergonhadas.
A Aires está neste momento a dormir, porque anda muito cansada.
São precisamente 6h45m.
Tenho gasto muito dinheiro esta semana.
Eu estou a gostar das aulas, mas são muito diferentes do liceu, muita gente, os professores falam muito depressa, não consigo tirar apontamentos nenhuns.
Ah! Onde eu estou a gastar o dinheiro é nas sebentas que os professores mandam comprar.
Estive agora mesmo a escrever à Ritinha a contar todas as novidades.
Esta semana o tempo está melhor, não está tanto frio, tenho andado com a camisola verde que vocês me compraram que é muito quentinha.
Tenho comido muito bem, e muitos chocolates e rebuçados quando estou a passar as aulas. Eu estou a achar o curso muito difícil! Mas o tempo irá dizer como irá terminar.
Já conheci pessoas da Escola muito simpáticas, conheci uma rapariga de Setúbal (Quinta do Anjo) chama-se Bia é muito simpática, e já disse se eu precisasse de alguma coisa da escola do 1º ano ela me ajudava, ela está no 2º ano (com disciplinas do 1º é claro, como todos!).
Bem agora vou terminar, pois vou acordar a Aires para irmos fazer o jantar, para nos deitarmos cedo, porque amanhã temos aulas às 8 h.
Há alturas em que me apetece estar aí em casa com vocês, mas logo me lembro que eu estou a tirar o meu curso para um dia ser Engª. Marta Varela Baleiro.
Mas tenho saudades da cara séria do pai e dos repentes da mãe.
Quando receberem a carta, eu devo ter falado com vocês ao telefone.
Um beijinho, (Um não, muitos beijinhos)
Desta vossa filha que vos ama muito

20 de Outubro de 1992

Marta Varela Baleiro

2 comentários:

  1. Estas palavras só podiam ser mesmo da Marta:) Tão determinada, teimosa e meiga que ela era. Se tiveres mais cartas dela, publica-as por favor. Eu não sei o que fiz às cartas que ela me escreveu. Com a mania que tenho de deitar papéis fora, acho que desapareceram. Este meu defeito tem destas consequências.

    Em relação ao quarto, nunca te arrependas, Mãe, de o teres alugado para a Marta: ela estava feliz ali, mesmo sabendo que as condições não eram as melhores. Eu tenho a certeza. Além do mais, a Marta era «muito senhora do seu nariz» e aquele quarto era o resultado de uma decisão que ela tinha tomado e NUNCA se iria arrepender de a ter feito. Ela foi feliz ali. Nunca te repreendas por isso.

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  2. Peço desculpa por interferir nunca conversa entre mãe e filha mas eu sou testemunha que a Marta foi muito feliz naquele seu quarto. Acreditem que teve muitos e bons momentos naquele quarto. Era feliz, estava na universidade, tinha a pessoa que amava perto dela, tinha tudo para ser feliz e mais não digo porque a minha amiga está a ver-me e eu não posso revelar os segredos dela, são segredos.

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