8
de Maio de 1995
Querida
Marta
Passámos
o fim de semana em Tavira com a Rita. Foi um fim de semana calmo e sossegado.
No Domingo era Dia da Mãe, eu estava triste, mas ao mesmo tempo estava calma
por estar com a tua irmã Rita, que faz um esforço para não nos decepcionar e
procura ser meiga e receber os meus beijos, apesar de não se manifestar muito.
Tu sabes como ela é. Não é muito de grandes efusões nem de grandes
manifestações sentimentais, mas como sabe que eu não te tenho a ti, que me
davas muitos beijos e muito carinho, ela procura receber os beijos e dar alguns
em troca, mas como sabes não são muito espontâneas essas manifestações.
Cada
dia que passa, sinto mais a tua falta!... Como gostarias de estar aqui
connosco, em casa da Rita ... a casa é muito alegre, muito acolhedora. Tem
muito Sol e uma vista lindíssima para a
Serra e para a Ria de Tavira. (...)
Hoje
de manhã, fomos a Monte Gordo dar uma volta; estivemos numa esplanada na praia,
que está povoada de velhos alemães e holandeses felizes com o Sol de Portugal.
Depois fomos ver o apartamento do Dr. Borges, para onde costumávamos ir passar
férias. Tu eras tão pequenina!... eras tão linda!... adoravas a praia, o mar, o Sol, brincar com os outros
meninos!...
A
tua lembrança é constante dentro de mim, a tua presença física não se vê, mas
eu sinto que tu nos acompanhas para onde quer que nós vamos, tu estás sempre
connosco, apesar de não o dizermos uns aos outros.
A
viagem de e para o Algarve torna-se muito maçadora e angustiante. Reparo no
trajecto que tu tantas e tantas vezes fazias entre Lisboa/Beja e Beja/Lisboa,
vejo todos os pormenores da estrada, todos os cafés, todos os locais que
rodeiam a estrada e que foram vistos por ti, muitas e muitas vezes.
Por
isso, quando ali passo, sinto que a tua presença é mais forte e mais sentida.
Agora,
quando chegámos a casa, por volta das 21 horas, telefonou-me a Patrícia, tua
prima, dizendo-me que tinha morrido a filha da Maria Beatriz, minha prima e
amiga de infância.
Se
houver Vida Eterna, tu estás com ela...
A
filha da Beatriz chama-se Leonor, tem 18 anos, é uma menina bonita e boa como
tu, também ela morreu brutalmente e de uma morte estúpida, como afinal é a
morte, estúpida e horrível!
Teve
um desastre na Marginal de Cascais, com mais quatro amigas, o carro
despistou-se e morreram queimadas dentro do carro. Deve ter sido uma morte
terrível, nem teve tempo para fugir à morte, como tu também não tiveste. Tanto
que eu te dei força "Força, Marta! Não te deixes vencer pela Morte!...
Força Marta, que tu és forte; Marta não te deixes ir porque a Mãe está Aqui!!!
Mas,
o meu apelo não chegou até ti, os tentáculos da morte agarraram-te e levaram-te
serenamente.
Penso
que tu não te apercebeste que estava a chegar o teu fim, foi tão bruscamente,
que não tiveste tempo de reagir à morte, e hoje eu estou destroçada e
destruída.
A
realidade é que para morrermos não precisamos de muito, basta a morte
lembrar-se de nós, naquele momento. De ti, a morte lembrou-se tão cedo e eu não
consegui afugentá-la!...
Penso
no desgosto da Beatriz, no que ela está a sofrer, sinto que deveria estar junto
dela para lhe dar um pouco do meu conhecimento de Mãe Sofredora, de Mãe que
perdeu uma filha linda, boa, meiga, e que não sabe ainda como reagir à dor.
É
tão fácil dizermos aos outros que compreendemos a sua dor; é tão fácil dizermos
que avaliamos a sua dor, mas, na verdade, a dor é tão grande, tão grande que só
quem passa por uma situação igual é que poderá avaliar o que a outra mãe está a
sofrer.
Nunca
pensei que se pudesse sofrer tanto, que a angústia e a tristeza fossem minhas
companheiras diárias, eu que tanto gostava de rir, de falar, de conviver, hoje
convivo com a tristeza, contigo dentro de mim e nada mais me interessa.
Vou
dormir, ou melhor, tentar dormir!...
Amanhã
de manhã vou acompanhar a minha amiga e procurar dar-lhe um pouco de conforto.
Devia
ter-se uma idade para morrer; devia ser proibido morrer-se jovem, com vontade
de viver e com muita força de vencer na vida, só se deveria morrer quando tivéssemos
a nossa missão cumprida. Tu não pudeste concluir a tua e agora eu choro por
saber que tenho que levar o resto da minha existência cheia de tristeza e muita
saudade de ti, minha pequenina, minha "castanha", meu amor da mãe.
Beijos
da mãe Zuzu
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